terça-feira, 20 de novembro de 2018

Crendices...


 Reza a lenda que, inicialmente, um homem foi mordido por um lobo e ficou enfeitiçado. Assim, nas noites de lua cheia ele se transforma, adquirindo garras de lobo e um corpo coberto de pelos, e sai uivando em busca de seu alimento predileto: sangue.



Em tempos recuados a feitiçaria era um assunto normal do quotidiano, crenças e superstições vinculadas às bruxas que, com as suas ervas e rezas, curavam os doentes e aconselhavam aqueles que tivessem dúvidas em algum aspecto de suas vidas. Por tal e por desconfiança, eram perseguidas até ao extremo de arderem na fogueira.
Permitam que lhes reze um conto a este respeito de medos.
"... as bruxas, melhor, as dignas feiticeiras empossadas por aqueles a quem subtraiam o pouco do nada e dos seus, que eram tal e qual como elas, não sendo o dom da feieza as tornar medonhas nas olheiras cavadas e verrugas. Vestustas nas mantas rompidas que lhes ecorregavam pelos ombros, cabelos eriçados, olhar eléctrico para os céus, dentes arreganhados dos poucos que iam restando e aquando uma ovelha ferida e um cão mordido desciam das serras por ter escapado a um lobo faminto e procurando refúgio, se coçavam e excitavam na esperança de verem o pastor surgir quase estrelhaçado.
Era um gáudio que tal viesse a acontecer, pois disto fariam mestrias das suas mezinhas e milagres. 
Mas...
Lá acima, na serra, pairavam medos, andava isso sim e a sério, o demónio à solta. Aquele a quem o povo chamava e ainda hoje nos medos sussura, o  lobisomem. 
Com as debaixo, na aldeia, ainda  o povo se iam aguentando, mais não fosse com rezas, résteas de alhos pendurados à porta e figas aquando por defronte passavam, mas o diabo lá por cima?
O Manel das Vacas ia para oito dias que nâo aparecia no povo e os poucos que com coragem subiram a serra acima, apenas viram um rebanho tresmalhado por entre giestas e sargaços,  ao deus-dará.   Procuraram o pastor até ao cair da noite, embrenhados nas ravinas e silvados e nada.
Coitado por onde ele andaria e resignados empreendem o regresso, mais apressado do que previam pois ao ouvirem um rugido maior que um trovão, desancaram por ali abaixo. Tal conta quem ouviu de quem ouviu contar.
Célere correu a novidade e se o medo já era grande, imaginem. Pôr cobro à situação foi o motivo pelo qual o conselho da aldeia reuniu de emergência, mas quem teria coragem para afrontar a Besta e talvez resgatar o Manel das Vacas? Ninguém.
Eis que no meio do ajuntamento se ergue a voz  meia carregada pela bebida, do Jamaicas, homem que agora gasto pelo vício de tantos anos fóra e sentencia: quem lá vai são as feiticeiras, mais nada!
Elas estavam presentes, discretas nos bancos ao fundo, porventura esperando restos de calamidades e tal e no incomodo as fez erguer em sobressalto, nuns ralhos estridentes que aquilo não era com elas que eram gentes de bem. Foi tal a algazarra e humilhação que condescenderam a partir à meia noite, na lua cheia e foram...
Subiram no ritmo das suas lenga-lengas mesureiras e quase no topo da serra, sai um urro medonho.   
Esqueciam o diabo e gritavam por Cristo e eis que lhes aparece o Manel pastor, dentes afiados, peludo e sanguinário.
Até hoje nunca mais alguém viu estas gentes, mas dizem que por lá andarão!