A "tribo" da minha terra estava tramada e eu também, aqui os montes eram enormes e em pânico me indagava, afina isto é terra ou céu? Estávamos separados e indefesos, pior, distantes.
Aqui a Serra da Estrela era enorme e o seminário no sopé sofria com neblina e flocos de neve. Minha rica lareira da cozinha sempre acolhedora com cavacas de pinho que a resina incendiava. Mesmo molhada, cheirava tão bem...
Começava a faltar o cheiro do sentir e ouvir do costume quotidiano desde a nascença. O sabor dos míscaros e tortulhos, urrar dos animais e no apagar da luz da camarata, zurzia a saudade, mesmo que o colega da cama ao lado tentasse meter conversa de desabafos. "Não te conheço, desampara, a minha tribo é outra". Primeiro inimigo. Mas a esperança martirizada ao minuto pela ansiedade, pouco a pouco ia-se esbatendo com os primeiros passeios na bela e medonha serra, que a princípio odiava: a minha da aldeia tinha mais encanto! Depois, o seminário até tinha vacaria e os animais a mesma linguagem. Caramba!
E o "Oh valha-me Deus" de início, comecei a sentir menos pesada a Cruz.
Pouco a pouco, a natureza ia-me aperfilhando e transmitindo paz, dias e dias, meses e meses.
Até que pelo meu carácter beirão habituado a serranias, rude, sincero amigo aventureiro, me convidaram para integrar o núcleo dos escuteiros, Corpo Nacional de Escutas, movimento que ainda adoro, fundado por Baden Powel, baseado no rigor da fraternidade, respeito pela natureza e "obrigação" do escuta fazer todos os dias uma boa acção. E tanto ensinamento...
Com o decorrer dos anos muita coisa veio, estudo de música, meu rico banjo e bandolim, meu querido teatro em que se corriam aldeias a convite dos párocos e um ou outro namorico, de permeio com a invasão do claustro da mesma Ordem na clandestinidade da noite em que era suposto dormir.
Por uma vez "subornei" a horas tardias a orquestra do seminário, saltando o muro pelo claustro, distante cerca de mil metros do seminário e no sossego do silêncio em que todas dormiam, "rebenta" o saxafone, trombone, trompas, trompetes, pratos, sei lá, tudo o que havia...
E coaram gritos de freiras, gritinhos de noviças, tudo de camisas de noite até aos pés, visíveis por as luzes terem sido acendidas, e as meninas internas que ali estavam hospedadas sem compromisso religioso. Os pais pagavam pelo rigor do estudo, e bem, digo por lá ter tido uma irmã minha.
Claro que entre umas e outras que me escuso por respeito a mencionar, fui tempos depois confrontado com a minha vocação. Disse não e o Sr. Reitor respondeu que se dissesse o contrário, mentia.
Saí de mútuo acordo para o mundo novo, ainda hoje na terra dizem que fui expulso. Não me importa, sei o carinho que tenho pela Instituição.
Seminário de Gouveia, um abraço e sincero bem-haja.
Um relato e tanto, Xico! Muitas aventuras e aprendizados... Um tempo de escolhas e como diz na sua expressão final: "Seminário de Gouveia, um abraço e sincero bem-haja."
ResponderEliminarAcho bonito e interessante vocês falarem BEM-HAJA! Típico de Portugal,né?!
Bom Final de Semana... Um abração
Olá Anete.
EliminarEm Forninhos ainda se usa frequentemente o termo "bem-haja" e muitos de nós continuamos também a usar por costume e sentimos um sabor diferente a um simples e comum "obrigado".
Sente-se mais íntimo e carinhoso, como que propagando o fazer do bem para os outros e agradecimento a quem nos faz.
Um abraço.
As coisas acontecem sempre quando devem acontecer e, por certo, pra ti foi o melhor! Importa é estares "de bem" com o seminário...abração,chica
ResponderEliminarSabe bem guardar para a vida o respeito de quem de modo geral nos ajudou a crescer.
EliminarAbraços.
Passados estes anos todos, tudo parece tão nítido na tua memória. Será porque tudo no Seminário ganhava uma dimensão enorme comparado com o que vivias na aldeia !?
ResponderEliminarCuriosa foi a frontalidade, ao dizeres não ao Sr. Reitor, que não querias ser padre. Imagino quantos rapazitos seguiram o sacerdócio porque não tiveram coragem de dizer um não.
Todavia, a tua "expulsão" deve ter sido motivo de conversas por toda a terra nos próximos dias!
Bjos e Bom fds.
Olá.
EliminarA primeira saída do ninho, sem o colinho da mãe e enlevo do pai, separação de amigo.Também por isso passa-te e sabes tão bem quanto eu, a falta que a nossa aldeia fazia e o seu cheiro residia durante meses numas simples e ansiosa carta.
Claro que o registo fica na memória para a vida.
Vidas diferentes, regras impensáveis e o pior: saudade!
O "não" tinha de ser, pois quando entras não conheces vocação e apenas com o tempo e interrogações te vais conhecendo e qual o caminho a seguir. Foi melhor assim, de qualquer modo nunca teria sido ou ainda ser, padre.
Claro que conversas houve, afinal a família "queria" um padre e a aldeia também, seria uma honra...enfim!
Beijos.
Olá Xico, mais um capítulo da sua história de vida riquíssimo a todos os níveis! O ingresso nos escuteiros, o seu grito de "revolta" que abalou o interior do Seminário e depois a sua saída! Como deduzo da parte final foram momentos tão significativos e importantes (e apesar dos obstáculos) que o marcaram decerto de forma positiva para sempre! Um beijinho e bom fim de semana. Ailime
ResponderEliminarOlá Ailime.
EliminarOs escuteiros foram das coisas mais importantes em termos de formação.
O aprender a respeitar o próximo e a natureza com simplicidade e gosto. O mundo da serra mitigava saudades, acampar e adormecer a olhar estrelas, sentir o frio e calor, caminhar, caminhar...
A "revolta" foi o que os desígnios haviam traçado, bastou sentir isso.
Beijinho.
Muito divertida essa sua história! Deve ter sido um sufôco subornar a orquestra do seminário!...rss...abraços e bom fim de semana,
ResponderEliminarAnne.
EliminarE foram tantas, tantas!
De muitas estou um pouco envergonhado, não pelo mal, graças a Deus, mas por serem malandrices menos próprias a um seminarista.
Estava fadado a não ser padre...
Um abraço.
Como siempre una entretenida historia de aquellos años en las que las hormonas pesaban más que el razocinio, entre Naturaleza, excursiones, vocaciones musicales alrededor de aquellas paredes del Seminario. Recuerdos que jamás se borrarán...Me encanta tu blog.
ResponderEliminar¡¡¡Ah!!! Por supuesto que cuando esté bien iré a capela de Nossa Senhora dos Verdes...Cuenta conmigo.
¡¡¡Gracias por Estar y por Ser siempre en mi Blog!!!
Abraços.
Claro que te cá espero Pedro, o mais rápido do que pensas. Tenho a certeza!
EliminarA serra é linda e o local de Nossa Senhora dos Verdes transpira paz, sossego e comunhão.
Até lá a gente vai se encontrando por escrito, na amizade e solidariedade.
Um abraço amigo.
Confissão é confissão e o problema é de quem entende. Com todo o respeito, deixo o texto sem comentário, mas lido porque foi bem escrito. Um abraço, Yayá.
ResponderEliminarPenso que a coerência reside no relato do que foi vivido e em parte continua sentido, cada pessoa entendendo a seu modo.
EliminarUm abraço, Yayá.
Xico sua vida daria um livro..adoro suas histórias, o que vivenciou na vida e deve ainda vivenciar. Você me passa uma vida rica de experiências..!!
ResponderEliminarUm grande abraço.
Sandra
Sandra, vivências da época de um país que estava amordaçado a nível social, político e religioso, sendo que ali, seminário, tudo estava conjugado.
EliminarSinto que estes anos de "clausura" dariam um livro do retrato social à época com a vantagem de a abertura das mentes, estas assimilarem situações outrora tabús.
Por elas passei, algumas, outras consegui contornar. Bem gostaria de o escrever e publicar, mas é gratuito escrever e caro publicar.
Quem sabe um dia...
Abraço, Sandra.
Olá meu amigo, viajei em sua belíssima narração, um relato de uma vida rica e intensa. Assim são as pessoas que vivem a vida, que encanta aos leitores, és um poeta de nascência, tuas palavras transbordam poesia. Esse fogo me trouxe saudade de minha Solidão, por que as pessoas tem que nos deixar, todos deveriam ser eternos, mas bem diz o poeta vamos viver o amor enquanto dure. Já começou a esfriar por ai, aqui a frio ainda faz estadia, temos tido dias maravilhosos de primavera, e eu me deliciando neste horário de verão nos afazeres do campo. Alfredo nestes dias friozinhos se delicia saboreando um vinho tinto. Enquanto o verão não chega. Meu pai dava um copo de vinho para cada filho dizia que era fortificante, mas eu nunca gostei, ele molhava o pão no vinho e me dava eu comia somente para agradá-lo.
ResponderEliminarBem estou voltando para casa, tenha um ótimo início de semana.
Amiga Anajá,
EliminarFico contente pelas tuas palavras e agradecido. Cá em baixo, na terra, ninguém é eterno, temos de ter essa noção mas, a vida tem tanto que oferecer no dia a dia, sem necessidade de uma simples constipação ser diagnosticada como pneumonia.
Para o Alfredo e ele que não leve a mal: " Sopas de Cavalo Cansado", terapia e alimento ancestral:
- Pão, de preferência centeio, vinho tinto e água fresca.
Junta numa malga ou tigela ,mais ou menos igual porção dos líquidos por cima do pão cortado com açúcar a gosto.
Está feito o remédio.
Abraços.
Adorei a receita, hahaha mas não vou fazer se não ele fica muito forte. Aqui temos esse ditado, pra cavalo velho o remédio é capim novo, não me pergunte o que quer dizer pois não sei. hahahah
EliminarTenha um ótimo dia.
¡¡¡Gracias Xico por estar siempre a mi lado y más en esto momentos un poco delicados!!!
ResponderEliminarPor supuesto que has traducido a la perfección.
Después iré ao blog dos forninehnses para degustar ese sabroso cozido à portuguesa.
Abraço, companheiro e grande Pessoa!!!