sábado, 14 de setembro de 2013

CRESCENDO NA HATUREZA

A bola saltava entre gargalhadas infantis e cristalinas. E o pião rolava à velocidade da nossa infância, como convidando à descoberta de outros mistérios e aventuras.
A aldeia era linda e a natureza a tudo convidava, apelando a nela crescer, conhecer e sentir.
Para isso nada melhor que nela dormir.



O Moinho da Carvalheira, faz parte real da minha meninice, qual território sagrado dos Incas, onde a natureza se agitava naquele local recôndito, impregnado de lobos, corujas, raposas e aves de rapina, procurando o alimento para as crias, tal qual íamos esmagar o grão para o pão-nosso de cada dia. Adiante, os Cuvos, que mal produzia um raquítico milho, mas saborosos chicharros. Subindo a encosta para o lado direito, lá estava o imponente Castelo e do outro lado o Castro. No meio da encostava havia uma nascente que não secava, de dia para o homem de noite para os bichos.
Junto ao moinho, as Dornas e a sua gruta de água cristalina, aonde se sentia o mundo na sua perfeição absoluta! Chegava com o meu pai, as vacas arrastando o carro, chiando sobre o peso do grão e o difícil trilho. Teria seis anos de idade, mas a expectativa de passar o dia e a noite neste local mágico, acelerava o coração. Carro descarregado e vacas a pastar na orla da ribeira com o coaxar das rãs e o bailado das libelinhas, era hora de ir roubar umas ameixas ao Sr. Daniel, cá mais abaixo, encher os bolsos e a boina.
A seguir, uma vara de amieiro, um fio de nylon mais um anzol ferrugento com gafanhoto a servir de isco, sempre se apanhavam umas bogas tontas que se viam a olho nu; numa água que era brilhante. As maiorzitas serviam para grelhar e ajudar a bucha da noite, na fogueira acesa no canto esquerdo interior da moinho, enquanto a mó carrasca, esmagava o grão, chiava, esmagava, acompanhada pelo piar do mocho ali ao perto.
Enquanto o meu pai vigiava toda a noite a tarefa, eu aconchegava-me junto a fogueira, enrolado numa manta trazida de casa, e adormecia a sonhar com as mouras encantas ali tão perto.
Manhã cedo o meu pai acorda-me, carro já carregado com as taleigas da farinha, vacas junguidas, prontos para abalar, apenas faltava o caldeiro de lata que pendurou num fogueiro. O chiar do carro sobre as pedras na subida, faziam levantar as perdizes matinais, acordar os melros na ribeira e alvoroçar os tajasnos. Já em cima, um coelhito atarantado, apenas se desviou das vacas, pois eu ia sentado na frente do carro e o meu pai nas traseiras. Se tivesse uns custilos e tempo, aqueles tajasnos e mais que fora, não escapavam.
Mais a frente cruzamo-nos com outro carro de bois, que vinha para a moagem, era o dia que lhe pertencia em sortes (não me recordo quem era). 
Chegados perto da Pardamaia, um solavanco maior, atirou com o caldeiro e as vacas espantara-se.
Arrancam desabridas adiante, desfazendo as curvas por milagre, eu a gritar e o meu pai que entretanto saltara do carro, tambem!
Ao chegar perto do cruzamento do sitio do alambique, e surpreso pelos gritos, apareceu ou o Ti Forra ou penso que o Ti Ze Maria Indio, que sachola em riste as conseguiu parar.
Bem Hajam, mas continuo a adorar aquele lugar.


Foto: cortesia do google imagens.

13 comentários:

  1. Riqueza de detalhes tão bem guardados nesse tempo todo na tua memória; Como pode isso? Lindo! E a foto, um amor! Estou adorando saber dessas histórias de vida! abraços,chica e lindo fds!

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  2. Olá Xico:
    Já te disse, uma vez, que comparo as tuas histórias contadas a extractos que o escritor beirão, Aquilino Ribeiro, descreve nos seus livros.
    Acerca da vida rural das gentes da beira da sua geração, dizia Aquilino:
    «A aldeia, mal o sol pula detrás dos montes, esvazia-se para os campos. É lá que estão os tesouros. A casa pouco mais representa do que ponto de passagem, abrigo para a noite, compasso de espera para a cova.»
    Era pois no campo onde as famílias passavam a maior parte dos dias, desde o nascer do sol até as estrelas aparecerem no céu.
    Ao redor de moínhos com certeza muitas crianças cresceram a brincar, pescar e depois de tanto "bolir" passaram a noite a sonhar...
    Excelente 'post'. Parabéns!
    E um excelente fim de semana.

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    1. Olá Paula.
      Tem sem dúvida um sabor diferente partilhar isto contigo, sem menosprezo por ninguém. Bem pelo contrário.
      Simplesmente porque tal como eu, conheces o local e estas vivências e histórias que o rodeiam.
      Tem magia e encanto, e para tal saborear por completo e intensidade, tem de por lá se passar, sentar, fechar os olhos e deixar o tempo passar por nós.
      Beijos.

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  3. Xico,
    a foto tá muito legal e o texto também!
    Gosto de saber de aventuras e verdadeiras/reais são muito mais valiosas!
    Crescer na Natureza é um presente, não é mesmo?!

    Boa Noite... Abraço

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  4. Maravillosas e inolvidables experiencias que jamás se olvidarán de aquellos tiempos en que la inocencia y la travesura formaban parte de todos nuestros juegos...Precioso.
    Abraços.

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  5. Ainda bem que decidiste publicitar estas incríveis memórias!
    Bom domingo!

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  6. Boa noite Xico, hoje apenas para lhe dar os meus Parabéns pela sua fantástica narrativa de todas essas memórias e que me fez lembrar alguns dos nossos melhores escritores que deixaram nas suas obras marcas bem vincadas das suas vivências das terras onde nasceram! Fiquei mesmo maravilhada! Boa continuação e cá fico na expectativa do próximo capitulo.Abraço Ailime

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    1. Olá Ailime.
      Claro que irei continuar, mas no início pensava ser mais fácil, quando tal projecto "desenhei".
      Quiçá por ter esquecido que cada pormenor lembrado não fosse tão avassalador no meu espírito, perturbante.
      É o viver tudo pela segunda vez, mas agora num misto de espectador e personagem, um olhar crítico e simultâneamente carinhoso
      Um Renascer...
      Abraço grande.

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  7. Memórias de infância, quem as não tem?
    Essa infância de cada um, foi porventura o embrião da semente do futuro, sem disso na nossa meninice termos a obrigação ou necessidade de sobre tal meditarmos.
    Ainda bem que a nossa preparação eram brincadeiras sadias, pequenas safadezas, mas tendo sempre por companhia amigos, família, tradições e campo, Essa natureza genuína da minha aldeia.
    A tudo isso chamo digna educação, não igual para todos, apenas no meio em que estavam inseridos.
    A ingenuidade e o sorriso de felicidade, em todos devia ser similar.
    Isso é o que pretendo partilhar aqui, passo a passo nos degraus de uma vida.
    Por isso quão gratificante as vossos palavras demasiado elogiosas mas gratificantes e encorajadoras.
    Amigas e amigos, um grande abraço.

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  8. Decerto que tudo o que vivemos na nossa infância influenciou a pessoa que somos e por mais anos que passem, são as lembranças da meninice que nos mostram a utopia do mundo perfeito.

    Bjo e boa semana.

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  9. Quantas lembranças bonitas da infancia!Ter o privilégio de crescer em meio á natureza é maravilhoso.Adorei o seu relato!bjs e boa semana,

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  10. Oi Xico, ando muito sem tempo e não seria proveitoso passar por aqui na minha correria, então, hoje pude enfim com calma, saborear as suas narrativas de vida, estou gostando imenso do modo que escreves os fatos reais da sua infância, e já estou curiosa pelos próximos capítulos.
    Abraços!

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    1. Obrigado Fátima, hoje mesmo vou continuar a saga.
      Abraço.

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