quinta-feira, 19 de setembro de 2013

TEMPO DE OUTONO...



Era assim, na despedida do verão, a ansiada festa das vindimas.
Na época, reservada aos familiares e amigos que se ajudavam mutuamente. Hoje vens à minha vindima, amanhã vou à tua.
Na frente do rancho de pessoas, era ver-me a mim e à Zita, amiga do peito, mais que irmã, a "roubar" os muscateis, sim, esses cachos sagrados que as donas levavam para casa, para pendurar e guardar. Tão bons depois de secos.
À noite, a pisa no lagar, homens de calças arregaçadas e nós catraios a espreitar e ouvir as cantigas brejeiras em jeito de desgarrada.O sonho era um dia ser grandes como eles.


No entretanto das vindimas e depois de apanhar os bagos do chão, trabalho de crianças a quem os rins não davam achaque algum, havia que ir em busca das agudes, essas formigas de asa que tão fundas estavam na terra. Era preciso cavar e cavar, e quando por entre o formigueiro algumas apareciam, era ouro a meter numa caixa de fósforos vazia.
Os tralhões já pinchavam insistentemente, como que apelando ao duelo, venham apanhar-me se puderem.
Tontos e taralhoucos.
Cruzavam o oceano com as andorinhas e faziam diálogo. As andorinhas perguntavam: para onde ides vós ó loucos que ides muitos e vindes poucos; ao que eles retorquiam: e de onde vós ó putas que ides poucas e vindes muitas. Coisas da passarada, mas com nexo. Uns vinham nascer, outros vinham morrer.


Era aqui nesta armadilha que eles vinham cair.
Poderá parecer desumano, mas nós crianças (e porque não também os adulto) aproveitava-mos a época desta caça.
Manhã cedo, já colocávamos as agudes no pincho do custiilo, para depois, sacho na mão, palmilhar caminhos, hortas e lameiros, volta e meia uma verdoada de cajado no costelaço por pisarmos as sementeiras de nabos recém-nascidos ou a erva semeada para no inverno abastecer o ganau, cabras, ovelhas e vacas.
E por entre figueiras, macieiras e oliveiras, lá íamos espreitando se o custilo se tinha portado bem.
Fazíamos história pelo número da caçada e das melancias roubadas por o calor ainda apertar e as uvas rebuscadas fazerem sede. Ainda havia uns figos mais tardios e uma ou outra maçã. Tudo "marchava"!


Esta trilogia de princípio de outono, culminava com a procura dos tortulhos, esse cogumelo mágico que um dia nasce, no outro desaparece.
Nós, crianças, sabíamos os sítios, naquele lameiro debaixo dos marmeleiros, naquele silvado à beira da vinha e, principalmente nas barrocas junto aos castanheiros.
Cada tortulho era um achado e notícia em Forninhos.
Fulana e cicrano, levavam um balde quase cheio. Corria a notícia!
O meu pai adorava este pitéu. Lavados e colocados nas tempres sobre as brasas, apenas com sal. Retirados do lume, eram espremidos para soltar a água  que retinham e com mais umas pedrinhas de sal, voltavam  às tempres. Imaginem uma fatia de broa e azeitonas a acompanhar...
Lembrei-me destas coisas por ser o tempo delas.

Um obridado ao Blog dos Forninhenses pelas fotos amavelmente cedidas.

22 comentários:

  1. Bonitos Recuerdos en esos Tiempos de Otoño y de vendimia donde el trabajo era un juego lleno de Magia y compañerismo.
    Abraços.

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    1. Amigo Pedro, aparece um dia, avisa com antecedência para concertar..
      Uma aldeia tão pequena e tão grande na beleza, a quem pessoas nem dão valor.
      Mas garanto, vale a pena.
      Será diferente e o tempo bem empregue.
      Parece estarmos nos primórdios dos trabalhos rurais.
      Serás bem recebido.
      Abraço.

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  2. Ao ler o que escreves recuo uns aninhos e era tal qual assim, as vindimas um misto de trabalho e de festa que sempre acabava com uma grande almoçarada. Felizmente ainda se fazem vindimas todos os anos e é uma das tarefas que com prazer se faz (falo por mim). Eu gosto.
    Outro prazer é apanhar os tortulhos, aliás, desde garota que gosto mais de vê-los e apanhá-los do que comê-los.
    Já os custilos e a caça aos tralhões, eram coisas de rapazes e há quem ainda goste de apanhar estes pássaros e aprecie o tão saboroso petisco de passarinhos (crueldade, eu sei), mas tudo isto faz relembrar bons tempos de amizade e camaradagem.
    O Outono é uma estação de emoções. Também gostava muito do regresso à escola que nesta época ainda não tinha as portas fechadas.
    Enquanto a escola não começava, era o tempo de preparar os cadernos...
    Excelente texto, a recordar coisas do passado, é bom recordar!

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    1. Mas Paula, não sabe tão bem de no recordar, saborear ainda agora momentos únicos e genuínos?
      São as nossa memórias, mais transparentes para nós que tivemos o privilégio de nascer neste local único,que amamos e tentamos desbravar, tal como outros o farão pelas suas origens.
      As origens são, quanto a mim, o protótipo da vida acabada de nascer. A nossa, de cada um.
      Cada qual à sua maneira, mas permite o "caramba", Forninhos tem quase aquilo que por mais que se tente investigar e estudar, fica sempre um cheirinho a mistério.
      Pelo menos ficamos felizes nesses sonhos, cantos e lendas.
      Fica em paz.

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  3. Vindima, tortulhos, figos... Quantas boas recordações daquele tempo,heim? Lindo te ver contar e acompanhar... abração, lindo fds! chica

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    1. Mas Chica, felizmente nesta época de Outono que amanhã se inicia, tudo isto é real e não miragens
      Forninhos ainda tem e preserva estas coisas. Felizmente.
      Abraço.

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  4. Sempre coisas boas, Xico, de saber e acompanhar...Faz-me lembrar de algumas aventuras/brincadeiras da minha infância...
    Bacana a Festa das Vindimas!
    Puxa, imagens bem bonitas!

    Abraço e Muita Paz...

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    1. E é festa mesmo, Anete.
      Das poucas coisas nas quais ainda revemos a nossa infância apesar da modernização da agricultura.
      As pessoas mais antigas ainda nesta época das vindimas que agora começa, se entreajudam nesta tarefa cuja contrapartida é ajudarem e serem ajudadas.
      Convívio que transforma o trabalho num deleite de conversas e no fim, mesa farrta de iguarias tradicionais.
      E ainda se vai cantando...

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  5. Oi Xico, o melhor de tudo é reviver esses fatos novamente, narrando como fazes é como viver de novo, de tão vivo e presente na sua memória, eu também as vezes me pego revivendo fotos da minha infância e juventude, e é como quase viver de novo.
    Adorei!
    Abraços!

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    1. Sinto que é bom reviver as coisas boas,apesar de por vezes vestidas de nostalgia, mas as más não conseguimos esquecer.
      Com ambas podemos e devemos aprender. Não pretendo aqui trazer apenas a ideia do mundo perfeito, não seria coerente, por isso aqui vira a outra faceta da vida.
      Abraço.

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  6. Salivo, salivo abundantemente!
    Bom fim de semana.
    Beijo

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    1. Sabes Nina, a cebola rôxa do seu Post, vinha mesmo a calhar para refogar uns belos tortulhos e míscaros.
      Ainda experimento sem chorar, mas a salivar.
      Beijo.

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  7. Uiiii querido amigo que saudades!
    de tudo, mas começo pelo fim:Os tortulhos! Ah...mas eu tinha tanto medo que eles me enganassem e se vestissem de algum veneno. Então só confiva nos quee meu pai trazia quando ia à caça das perdizes porque coelho..não! Depois as vindimas, apanhar os bagos. Hum...não gostava e mais alguém que fizesse esse trabalho ingrato.lembro que era o único trabalho que os adultos aproveitavam muito bem das crianças "O trabalho da criança é pouco, mas quem o não aproveita é louco..." Só não sei essa de
    colocar as agudes no pincho do custiilo...
    Amassar as uvas? Se for um dia ao meu blog Anjo Azul, veja uma etiqueta com vindimas...e compare!
    Abração Xico!

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    1. Apanhar os bagos de uvas era como o penitenciar de pecados que em nós crianças nem deviam existir.
      Amuados lá levávamos a cruz ao calvário, na certeza de no dia seguinte o mundo voltaria a ser nosso, à nossa maneira.
      Que se cuidassem tortulhos, tralhões e castanhas.
      As uvas já eram, mas ainda viriam os míscaros um pouco adiante.
      A seguir que viesse o inverno que não nos metia medo!
      Beijinho Manuela.

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  8. Xico,

    Que alegria chegar de férias e encontrar esse lindo blog.
    Gostei muito do que li. Lindas lembranças que precisam ser eternizadas.
    Abraço e lindo final de semana!

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    1. Olá Lucinha.
      Que bom tê-la de volta e um privilégio vê-la aqui nesta aventura em que me lancei.
      A vontade é muita e com o vosso carinho amigo, pretendo alcançar bom porto.
      Obrigada e bom final de semana.
      Abraço.

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  9. Boa tarde Xico, lá está mais um "post" que me tocou muito, porque me lembrou os meus treze anos vividos intensamente na minha aldeia! Tudo parece uma cópia no bom sentido do termo colada na minha memória, com a salvaguarda de, neste caso, ser o meu avô materno a dar-nos os mimos de outono e o meu pai que trabalhava em Lisboa nos saudosos Caminhos de Ferro (agora vendidos ao desbarato) quando se deslocava semanalmente à aldeia nos dias de folga ia sempre com as tais agudes tentar com as ratoeiras apanhar passarinhos para as sua três meninas:)! Era um crime? Era uma doce. Ah e os tortulhos, na minha terra era em Março e a minha avó materna já sabia onde eles nasciam e a receita era exatamente igual. Grelhados salpicados de sal com o chapéuzinho virado para cima para o molho não cair. A minha mãe também fazia um delicioso arroz com eles salpicados de coentros! Memórias quase coletivas! Desculpe de estar sempre aqui falar também das minhas coisas, mas o que partilha traz-me estas memórias que me dão tanta saudade. Muito obrigada pelo comentário nas minhas palavras. Abraço e bom fim de semana. Ailime

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    1. Amiga Ailime.
      Um prazer e honra enorme partilhar aqui neste tão pequeno espaço algumas das suas confidências e recordações .
      Toca a sua sensibilidade?
      Desculpe, ainda bem, pois esta partilha em forma de conversa, fazem parte da nossa história de vida, real e em que nos apetece mostrar, ao fim e ao cabo, tristezas e muitas alegrias.
      Assim renascem nossos avós, pais e tantos outros, com seus carinhos sempre presentes, como se nos estivessem ainda a fazer petiscos de caçadas, miscaros e tortulhos, malgas de marmelda e tantas sementes de felicidade.
      Obrigado. Um beijo.

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  10. Até a melancia levavam!..rss...achei graça dessas peraltices!Muito lindas suas recordações e escolheu belas fotos para ornamentar,parabéns!Bom final de semana,

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    1. Olá Anne.
      A gente "roubava" na justiça permitida pelos donos, na aventura e reinação.
      E gulodice também.
      Ao fim e ao cabo, também apimentavam as nossas travessuras e agora no recordar, sabem a delícia.
      Abraço.

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  11. Xico, não sei se te lembras dos meus avós maternos, que tinham na Rua do Lugar uma taberna. Na altura das vindimas lembro-me sempre do meu avô Antoninho, contar sempre a história da velha do Douro:
    - Vamos lá meninos, toca a apanhar também os bagos do chão.
    - Olhem que uma velha no Douro uma vez fez uma pipa de 100 almudes de vinho só com os bagos…sabiam?
    E pensava eu que era por nós (crianças) apanharmos os bagos que ele tinha os pipos/e/pipas de vinho para vender na taberna!
    Santa inocência...
    Hoje quando alguém diz que os bagos ficam para os pássaros ainda recordo que uma vez uma velha fez uma pipa de vinho só com o bago.

    Bjo e bom Domingo de Outono, embora não pareça :-)

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  12. Olá Xico, ainda continua assim, as pessoas se ajudarem na colheita? Aqui quando era criança também existia, os pequenos agricultores se ajudavam para não perder a colheita para as intempéries do tempo. Devia existir ainda hoje essa cooperação entre as pessoas, hoje em dia querem ser ajudados mas não estendem a mão ao próximo.
    Gostei da tua arapuca para prender os pássaros, aqui no tempo de criança também fazíamos, eu tinha pena de matar, mas depois de limpo eu e meus irmãos fazíamos um churrasco de passarinho. O tempo bom.
    Bjos e tenha uma ótima semana.

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