Carregava com ela apenas uma mochila e dois sacos usados do Continente, meio entupidos por parcos pertences e dois livros despidos de algumas folhas e capas maltratadas, daquilo que me foi dado ver.
Educada ao pedir licença se se podia sentar ao meu lado na carruagem vinte e um do Intercidades, com destino à cidade da Guarda, com lugares marcados mas à janela, lugar que me pertencia. Acedi.
Silenciosa sempre até para lá de Coimbra, naquele ar austero, nem seria bem austero, diria que meditabundo, pelas rugas que lhe crepitavam, iam e vinham por debaixo dos olhos...estranho.
Outrora, devia ter sido uma bonita mulher pelos rastos que dela se desprendiam, do seu olhar e maneios.
Apenas uma e por uma vez somente, a olhei naqueles olhos mortiços que quase e por milagre se incandesciam por segundos ao olhar para as serranias da Serra das Estrela.
Ela ia para o destino dela, eu tinha de ficar no meu. O dela seria o final da linha e pedi-lhe licença para retirar os meus pertences, não queria incomodar, apesar de faltar um quarto de hora para o meu destino e foi aí que falou.
Ia à procura de paz, ia à procura das suas gentes na esperança de estarem vivas e a aceitarem.
Ia um pouco á tõa na esperança que sendo Natal, por ali encontraria um pouco de perdão.
Havia feito mal e por tal havia passado dez anos na cadeia de Tires.
Dez Natais que havia perdido por estar longe dos seus e mais que arrependida.
Quem sabe se aquela fogueira não derretesse as suas lágrimas sofridadas e arrependidas?
Era disso que vinha à procura!
Tinha de sair na minha paragem e perguntei-lhe o nome.
Apenas e no primeiro sorrisso que lhe vi, respondeu:
- Natividade...
Ironia do destino.