quarta-feira, 18 de março de 2020

Olá mãe, bom dia e a sua benção...
Arrenagava-se muito comigo, sempre assim foi  toda a  vida, era uma carga de trabalhos para ela. 
E tinha sempre razão, era um andorinho que por vezes coçado numa surra, tinha a sua asa aberta para me acolher, tal e felizmente como ainda hoje.
Gosto muito dela!
Enquanto escrevo e o relógio corre, não tarda nada está com noventa anos, faltam quinze minutos que quero aproveitar.
Olha mãe, não vai haver as festividades programadas, com a família e amigos, mas fica para outro dia, pois este já mora dentro de nós, dentro do coração.

Tenho uma Mãe
Minha e dos meus irmãos
De netos e já bisneta
Somos filhos de Alguém
De uma lutadora
Da fibra de quase ningúem
Amo-te tanto minha mãe!

( a minhha prenda, é a sua varanda...bonita). 
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quinta-feira, 10 de outubro de 2019

FALA COMIGO, VÁ LÁ...

Há tanto que nada de ti sabia, perdi a minha cadela mais os filhos que eram dela e por ti chorei também, não que eu faça parte de alguém, mesmo tendo coraçao, serei sempre um pobre cão, e por tal considerado, escondes as minhas falas, apenas ladro e só tu me entendias. Agora, vens neste estado, mais miserável que eu...valha-me nosso senhor, neste sincero clamor, que foi um ar que lhe deu. Vens como eu já fui, escanzelado, rôto, esfomeado, verdadeiro maltrapilho desse mundo que viveste, tu que te tinhas por fidalgo, olha agora para ti, no tambor de um rançoso barril, a escrever às escuras, talvez para não sentires o peso da alma, aquela coisa que mete medo e pior, respeito. Talvez venhas para ficar, não sei, tu não falas, mas afinal o que tens?  Voltei se por aqui me quiseres, recomeçar havendo tempo, sentir o uivar do vento, aquela gritaria na serra e voltarmos a viver...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

NATIVIDADE

Carregava com ela apenas uma mochila e dois sacos usados do Continente, meio entupidos por parcos pertences e dois livros despidos de algumas folhas e capas maltratadas, daquilo que me foi dado ver.
Educada ao pedir licença se se podia sentar ao meu lado na carruagem vinte e um do Intercidades, com destino à cidade da Guarda, com lugares marcados mas à janela, lugar que me pertencia. Acedi.
Silenciosa sempre até para lá de Coimbra, naquele ar austero, nem seria bem austero, diria que meditabundo, pelas rugas que lhe crepitavam, iam e vinham por debaixo dos olhos...estranho.
Outrora, devia ter sido uma bonita mulher pelos rastos que dela se desprendiam, do seu olhar e maneios.
Apenas uma e por uma vez somente, a olhei naqueles olhos mortiços que quase e por milagre se incandesciam por segundos ao olhar para as serranias da Serra das Estrela.


Ela ia para o destino dela, eu tinha de ficar no meu. O dela seria o final da linha e pedi-lhe licença para retirar os meus pertences, não queria incomodar, apesar de faltar um quarto de hora para o meu destino e foi aí que falou.
Ia à procura de paz, ia à procura das suas gentes na esperança de estarem vivas e a aceitarem.
Ia um pouco á tõa na esperança que sendo Natal, por ali encontraria um pouco de perdão.
Havia feito mal e por tal havia passado dez anos na cadeia de Tires. 
Dez Natais que havia perdido por estar longe dos seus e mais que arrependida.
Quem sabe se aquela fogueira não derretesse as suas lágrimas sofridadas e arrependidas?
Era disso que vinha à procura!
Tinha de sair na minha paragem e perguntei-lhe o nome.
Apenas e no primeiro sorrisso que lhe vi, respondeu:
- Natividade...
Ironia do destino.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Crendices...


 Reza a lenda que, inicialmente, um homem foi mordido por um lobo e ficou enfeitiçado. Assim, nas noites de lua cheia ele se transforma, adquirindo garras de lobo e um corpo coberto de pelos, e sai uivando em busca de seu alimento predileto: sangue.



Em tempos recuados a feitiçaria era um assunto normal do quotidiano, crenças e superstições vinculadas às bruxas que, com as suas ervas e rezas, curavam os doentes e aconselhavam aqueles que tivessem dúvidas em algum aspecto de suas vidas. Por tal e por desconfiança, eram perseguidas até ao extremo de arderem na fogueira.
Permitam que lhes reze um conto a este respeito de medos.
"... as bruxas, melhor, as dignas feiticeiras empossadas por aqueles a quem subtraiam o pouco do nada e dos seus, que eram tal e qual como elas, não sendo o dom da feieza as tornar medonhas nas olheiras cavadas e verrugas. Vestustas nas mantas rompidas que lhes ecorregavam pelos ombros, cabelos eriçados, olhar eléctrico para os céus, dentes arreganhados dos poucos que iam restando e aquando uma ovelha ferida e um cão mordido desciam das serras por ter escapado a um lobo faminto e procurando refúgio, se coçavam e excitavam na esperança de verem o pastor surgir quase estrelhaçado.
Era um gáudio que tal viesse a acontecer, pois disto fariam mestrias das suas mezinhas e milagres. 
Mas...
Lá acima, na serra, pairavam medos, andava isso sim e a sério, o demónio à solta. Aquele a quem o povo chamava e ainda hoje nos medos sussura, o  lobisomem. 
Com as debaixo, na aldeia, ainda  o povo se iam aguentando, mais não fosse com rezas, résteas de alhos pendurados à porta e figas aquando por defronte passavam, mas o diabo lá por cima?
O Manel das Vacas ia para oito dias que nâo aparecia no povo e os poucos que com coragem subiram a serra acima, apenas viram um rebanho tresmalhado por entre giestas e sargaços,  ao deus-dará.   Procuraram o pastor até ao cair da noite, embrenhados nas ravinas e silvados e nada.
Coitado por onde ele andaria e resignados empreendem o regresso, mais apressado do que previam pois ao ouvirem um rugido maior que um trovão, desancaram por ali abaixo. Tal conta quem ouviu de quem ouviu contar.
Célere correu a novidade e se o medo já era grande, imaginem. Pôr cobro à situação foi o motivo pelo qual o conselho da aldeia reuniu de emergência, mas quem teria coragem para afrontar a Besta e talvez resgatar o Manel das Vacas? Ninguém.
Eis que no meio do ajuntamento se ergue a voz  meia carregada pela bebida, do Jamaicas, homem que agora gasto pelo vício de tantos anos fóra e sentencia: quem lá vai são as feiticeiras, mais nada!
Elas estavam presentes, discretas nos bancos ao fundo, porventura esperando restos de calamidades e tal e no incomodo as fez erguer em sobressalto, nuns ralhos estridentes que aquilo não era com elas que eram gentes de bem. Foi tal a algazarra e humilhação que condescenderam a partir à meia noite, na lua cheia e foram...
Subiram no ritmo das suas lenga-lengas mesureiras e quase no topo da serra, sai um urro medonho.   
Esqueciam o diabo e gritavam por Cristo e eis que lhes aparece o Manel pastor, dentes afiados, peludo e sanguinário.
Até hoje nunca mais alguém viu estas gentes, mas dizem que por lá andarão!

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Se continuas a olhar para trás, não consigo escrever...
Sei que já não há galinhas na porta ao lado, o cravelho nem tal segurava, agora foi trocado por uma tranca rançosa, prendida por uns nagalhos; mas teimoso, achas que por riba acima é o caminho, então vai!
Vai e traz notícias do nosso ribeiro, se fores lamechas, não olhes para a direita aonde ele corria a seu tempo, tempo que não sabes contar, apenas cheirar, pois o tempo foi passando, os teus amigos se foram aos poucos, aqueles que enfrentavam os bichos das galinhas e demais...
Sinto que tens coragem de sózinho, correres com os fantasmas, como tu, perdidos na noite.
Sim, por seres aquilo que és, um solitário, mas profeta do teu modo de ser.
Sabes, tenho saudades tuas.
Tens sido bem tratado que eu sei, mas também que andas triste e ambos o tal sabemos, o motivo...
A dona e amiga  não pode estar presente pelos motivos que sabes, mas posso ir ter contigo neste final de semana?
Quem sabe se não encontramos uns tortulhos, mas tão sendo, brincamos junto, não é bom?
Até que não te podes queixar muito, tens um pátio tão bonito e que eras uma seca em Agosto, sempre agarrado aos meus pés.
Espera por mim amigo e vamos viajar no nosso tempo.






Entre a rua e tua casa.


ESPERA...