sábado, 17 de fevereiro de 2018

Ainda hoje na retina das memórias, carinhosamente o José guarda a figura do Peralta.
Estava fora do tempo moderno que lhe ia restando no bengaleiro pela escassez as indumentárias que tomara ele que lhe sobrassem...
Aquele homem ia caminhando pela idade para o vazio, ele que tantos anos havia vivido no meio do vício e do putedo por trabalho, funcionário e nao ordinário, tinha à sua  sua espera na rua dos Cavaleiros junto ao Martin Moniz, a Graça ficava mais acima, a sua gata, Palminhas.
Materialmente, o Peralta com as "gorjas", até que vivia bem e algum arrecadava por não esperar reforma. As coisas são como são...
- José, vem comigo, pois se penso quem tu és, hoje não dormes na rua.
Sentiu  que o estava a pôr à prova pela força nas palavras, ele sabia quem era...
A casa estava imaculada, tudo no sítio e atá a Palminhas tinha o seu canto limpinho.
Fez chá para ele e aqueceu um copo de leite com chocolate para o José...e duas torradas.
Deixou-o ficar na sala, antes de lhe recomendar: tens toalha na casa de banho e cobertores no sofá, fica à vontade e amanhã falamos.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Nascendo até hoje...


Para as bandas do Saldanha, a noite não batia horas.
Era dos que por ali andava, mijando pelas esquinas, cagando onde bem calhava, vasculhando o que sobrara. A vida assim tal ditara!
Diziam que pelas quatro era a hora da morte, a cidade ficava parada por a Carris recolher no Arco do Cego e nesse entretanto tudo do mais ruim podia acontecer,  que me importava se tudo havia perdido, mas riqueza, duas beatas no bolso, uma ainda bem banquinha, fina, devia ter valor nalguma troca.
 Outrora havia conhecido estas zonas com bom sapato, camisa branca e calças à boca de sino, cabelo brilhante e animava as discotecas  pretendido pelas mulheres.
O velho Peralta dominava o bengaleiro no seu bigode afiado (ele dizia encerado) para receber mais uns trocados nos cuidados de guardar os agasalhos dos chegantes.
Vi-o à distância, do lado de fora, o bigode mais grisalho no seu corpo encurvado, mas solene na sua postura.  A alcatifa vermelha já mostrara  melhores dias, desbotada, assim a vi aquando e sem nada ter a temer me aproximei da porta onde outrora era bem recebido.
Medos do nada, era mais um pelas ruas, no contraponto do dia com a noite, o frio e o quente ou o bem e o mal.
Fiquei por ali encostado à conduta do ar quente que vinha de dentro; estava-se bem e mais tarde viriam migalhas das sobras de mesas fartas do bom e do melhor...
E por momentos assolou a inquietude de aqui estar e tal sacudi.
Não queria lembranças farto de mentiras num mundo construído às avessas.
Estava bem ali, meio acomodado no quente e o pesadelo vem sempre num clique, o fechar da porta, desta e porventuras outras vezes pelo velho Peralta.
Olha em volta sossegado e desce o único degrau. Resmunga que  o tempo está frio, olhando para mim de soslaio sem querer conhecer  ou dar importância a alguém que por ali estivesse, afinal era importante na casa.
O raio do velhote que anos antes me tirava o casaco com mordomia ... quem diria!
- Peralta!
Olhou e retrocedeu numa calma dolente habituada a episódios da noite.
Parecia que a vida o havia preparado para isto, bons e maus momentos e por tal ficou especado , mais hirto e menos corcunda à minha frente, a estudar o possível perigo que poderia enfrentar.
_ Que queres?
Eu nada queria e o que queria ele não me podia dar. Queria o meu tempo de volta,mas esse havia perdido e ele jamais me poderia ajudar se nem sequer me reconheceu, Afinal quem  era eu?
- Nada, Peralta.
Foi então que vejo o Peralta, o velho Peralta meio atordoado se encostar à esquina e pelo seu olhar fuzilante, sentir medo.
- José?
- Sim...