segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Guardador de rebanhos

Tambem um dia em crianca guardei meia duzia de ovelhas por castigo.
Mas mais medo que dos lobos, imperava o frio.
E as farripas de neve que ele acartava pelas encostas abaixo.
Valia como escudo a cavidade dos penedos que sustentavam a fogueira fumarenta com lenha verde, 
que se mantinha a custo de canecos de resina roubada aos pinheiros e algumas pinhas molhadas.


"Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz."
Alberto Caeiro

9 comentários:

  1. Guardar rebanho me faz lembrar de Davi da Bíblia e também do Salmo 23, o Bom Pastor!
    Deve ser um trabalho que requer paciência, AMOR e perseverança... As ovelhinhas são "dispersas" e teimosas... Rsss...
    Bonito poema, gosto muito!
    O meu abraço

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  2. Imagino o frio que terá passado, no entanto o que persiste é uma memória confortável, apesar do castigo.
    E para um guardador de rebanhos, o poema foi muito bem escolhido.
    "Comer um fruto é saber-lhe o sentido", ou seja, só passando pelas situações lhe sabemos o sentido.
    xx

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  3. É verdade, sentir o frio cortando a pele e adormecendo os dedos, passei por isso muitas vezes ao buscar o gado para prender na mangueira, nas tardes frias de inverno. Lindo e emotivo poema.
    Tenha um ótimo dia.

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  4. Gosto muito deste poema, mas só de ler o introito veio-me ao nariz o cheiro da lenha verde a arder.
    Eu não guardei ovelhas, mas apanhei azeitona e sei o que é ter as mãos encarquinhadas pelo gelo e o dia que teimava em não acabar.

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  5. Tenho esse poema numa tabuleta que fiz. Gosto muito dele e vindo de Fernando Pessoa , um ícone dos poetas, melhor ainda! Amo ovelhas, coleciono imagens delas, cresci vendo um rebanho na fazenda, mas elas não tinham pastores e nem redil, viviam soltas. Uma experiência um bocado triste foi a sua, Xico! Tudo de bom, um forte abraço!

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  6. Una hermosa Poesía de Alberto Caeiro.
    Pensamientos llenos de sensaciones que transmite la serenidad de la Naturaleza.
    Recuerdos de una Infancia en aquel frío lugar del que te abrigabas y dabas calor con la misma Naturaleza que te protegía.
    ¡¡¡Gracias por enviarme esa sensacional Poesía do Fado do Regreso!!! Es muy bonita y llena de sentimiento y energía.
    Abraços fortes meu companheiro.

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  7. Um texto belo...repleto de sensações e emoções! Lindo o texto de Caeiro! Tudo de bom!

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  8. Um texto belo...repleto de sensações e emoções! Lindo o texto de Caeiro! Tudo de bom!

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  9. Pois...claro que gosto do Aberto Caeiro.
    Mas antes, comecei pelo seu cabeçalho e não contive um sorriso. Ah! Tem que vir esse livro com esta linguagem tão pictórica que eu vejo TUDO!
    As ligações à terra, são por vezes de uma tatuagem tal, que ninguém que não tenha la vivido, sente os cheiros como nós, Xico. E venha daí esse bolo de nozes; são dos que mais aprecio. O desta vez é muito bom, mas corte a laranja fininha...
    E um fraterno abraço

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