domingo, 24 de novembro de 2013

A VAREJA


" Verde foi meu nascimento, mas de luto me vesti, para dar a luz ao mundo, mil tormentos padeci!".

Afinal qual mãe a sentir as primeiras dores do parto...

Em tempos antigos...

E em tempos modernos, a tradição
Que a mão sábia, avalia e agradece                 
No amanhecer da noite mal dormida, não apenas pelo corpo dorido do cansaço, mas pela falta de tempo,  lá vinham os homens e mulheres "ao ganho" de mais um dia de vareja. à de fulano tal, não faltavam ano nenhum, eram bem tratados.
A minha mãe vai-me como de costume, avivando memórias gravadas da minha infância, como algumas que venho deixando no livro da minha terra: "o blog dos forninhenses". Obrigado mãe! A ela recorri sobre este tema da vareja. Acabando-se os míscaros, chega o tempo de ripar uma ou outra azeitona mais temporã para curtir na talha e que irá enfeitar os pratos na mesa durante todo o ano.
Mas o pessoal chegado para mais um "dia da azeitona", não podia ficar parado, já era Dezembro, o mês dela em Forninhos, mas podia prolongar-se a apanha até Janeiro,dependia do estado de maturação e do tempo. Com neve e neve durante dias, quem lá ia...
A minha família tinha oliveiras desde Valongo, Porto, Nogueiras, Olivais e até em Colheirinhas, aldeia pequenina sita a cerca de meia dúzia de quilómetros da minha aldeia.
Aqui vagamente recordo um dia ter acompanhado o "rancho" de gente. Quilómetros a pé, homens vestidos de samarras e mulheres de xaile tapando a cabeça e apertando os queixos. Eles com os toldos e varas às costas e elas com os canastros e cestas de verga à cabeça, mas todos gelados, o gelo e gelada resistia ao sol que começava a romper.
Na chegada a Colheirinhas, a primeira coisa era fazer a fogueira no olival, aquecer o corpo e despertar o espírito. Iam muitas raparigas que transformavam a tarefa árdua numa festa, para começar, faziam-se anunciar tocando desafiadoramente a sineta da pequena capela local. "Já chegamos!". Aliás, um dia, os da aldeia chatearam-se e tiraram a corda da sineta, mas as gaiatas com as varas da vareja virada ao contrário,  massacravam a sineta enquanto os homens davam verdoadas nas pernadas das oliveiras. Havia que fazer justiça ao ganho, eles varejar e elas apanhar e encestar a azeitona e entre todos volta e meia um pouquito de aguardente. Estendidos os toldos depois da vareja feita, faltava limpar a azeitona e metê-la em sacos de serapilheira, antes de chegar o carro de bois para as acarretar.
Findo o trabalho, havia que regressar novamente a  a pé até Forninhos. Tudo havia corrido bem, por isso à porta da nossa terra, no Carvalho da Cruz, armava-se o bailarico ao som do realejo.
Tinha acabado mais um dia "ao ganho, frio, suado e tão divertido.                                                 

15 comentários:

  1. Que linda tradição! O trabalho era árduo, claro! Porém, realizado ao ar puro, em meio aos amigos e depois dele, a bailanta! Lindo! abração,chica

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    1. Ói Chica.
      A tradição tende a acabar, o cantar é amordaçado pelo roncar das máquinas, Por isso tento guardar memórias.
      Abraço.

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  2. Que excelente texto Xico, sobre se calhar a melhor candidata a "Trabalho agrícola mais ruinzinho de fazer", mas ao ler o que escreves, faz ultrapassar o frio, o gelo e geada, que se sente ali por meados de Dezembro e seguintes.
    Mas essa do bailarico é que eu não sabia, mas vistas bem as coisas, naqueles tempos que havia tanta mocidade, tanta alegria, é um prémio merecido e é único!
    Sem azeite, a vida era mais triste e menos saborosa!
    A tua mãe tem uma memória fabulosa. Diria mesmo que é uma enciclopédia viva!
    A minha mãe, que é bem mais nova, também conta que dantes viam-se ranchos na vareja que alegravam o trabalho com cantigas e risos.
    Hoje, a grande distância, vejo que Forninhos tinha lindas tradições!

    Um beijo.

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    1. Fico-me pelas cantigas, risos e uma vez por outra, o bailarico na encruzilhada do carvalho da Cruz, só que neste não eram feiticeiras mas sim moçoilas que com alergia sadia catrapiscavam o futuro namorado, companheiro dos trabalhos. Andavam todos ao mesmo, ganhar uns escudos para casa. Nas vistas dava o tocador do realejo de bolso.
      A alegria que perdurava na chegada a casa e à beira da fogueira, o corpo cansado pedia calor e repouso.
      A "jeira" estava ganha e amanhã havia outra vareja.
      Diz lá que não era engraçado?
      Beijos para ti.

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  3. Boa tarde Xico, como sempre muito enriquecedor o seu texto, porque fala de uma realidade da qual não participei, mas que vivi dentro de mim! Todos os detalhes devolvem-me gratas lembranças que tenho dos meus avós maternos que tão importantes foram na minha vida. Era um trabalho árduo, sob geada mas há uma coisa que admiro e que não me recordo de ouvir: queixas de que era custoso, de que era difícil. Era necessário fazer-se e fazia-se. Quando me lembro do meu avô que tanto trabalhou é isto que evoco. A parte dos cantares característicos era muito interessante e ainda me recordo de também ouvir logo de madrugada os grupos que alegremente se dirigiam para este difícil trabalho. Graças a Deus que a sua mãezinha o vai ajudando a que essas memórias se mantenham vivas e ajudem a preservar as tradições de Forninhos. (Desculpe volta e meia falar das minhas experiências, mas os vossos textos trazem-me tantas coisas à memoria...). Beijinhos e obrigada. Ailime

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  4. Olá Xico tudo bem?
    Que lindo relato da colheita de oliva. Voltei no tempo para também relembrar de meu pai na colheita da cebola e do arroz, as festas no final era maravilhosa. Que saudade. Me deste uma ótima ideia vou plantar umas oliveiras aqui em casa, tu faz conserva das oliva e azeite? Essa vida do interior é muito mais rica do que a vida da cidade, esse contato entre as pessoas é lindo de se ver.
    Obrigada pela maravilhosa partilha.
    Tenha uma ótima semana.

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  5. Puxa, Xico, coisas boas de se ler e saber... Trabalho puxado, suores e frio... Mas a recompensa era certa e BOA...
    A frase no início é forte e bonita!

    Uma Boa Semana... Tudo de Bom...

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  6. Vim agradecer o carinho pelo niver! Hoje só isso posso fazer! beijos, obrigadão,chica

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  7. Oi Xico,
    Belíssimo texto, adoro suas narrações, e como é bom poder contar com a ajuda da memoria de sua mãe, né?
    Beijos!!!!!

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  8. Voltei pra agradecer e desejar lindo fds! chica

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  9. Olá Xico!
    É bom recordar esses tempos, que embora difíceis ,as pessoas eram trabalhadoras e alegres. Acho uma óptima ideia deixar escrito essas tradições, para que fique um registo para os da nova geração. Bom trabalho, amigo!
    M. Emília

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  10. Tão distraída que sou, vendo o Xico lá no Forninhos, ainda não tinha passado por aqui. Saiba, amigo: adorei! Saiba, também, que de azeitona só entendo de comer, principalmente numa gostosa bacalhoada portuguesa. Uso também o azeite, principalmente quando uma amiga goesa, que mora em Lisboa traz dessas terras. Conheci olivais no Rio Grande do Sul, aqui pelo nordeste não há (que eu saiba). Sobre tradições de colheitas, só conheço a do feijão e do milho, em cidades do interior, e mais as de frutas como o caju, acerola e tais...Aprecie, demais, a epígrafe do seu espaço: NASCENDO ATÉ HOJE...A própria lembrança, é um novo nascer...como viver sem trazer à memória fatos tão queridos, com pessoas tão amadas. Que maravilha, ter nesse recordar a parceria de sua mãe, é mesmo uma bênção! Nenhuma tradição de esvai, se a preservamos na memória e a fazemos brotar na historiografia de um povo, de da sua cidade. Obrigada, por partilhar essas maravilhas.
    Beijos,
    da Lúcia

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  11. Xico,adoro as suas histórias de família. Meu avô veio do Minho pra cá ainda jovem e a tradição de sua família são as terras,as plantações.Creio não haver riqueza maior! Abraços e boa semana!

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  12. Xico, dá gosto ler o que escreves! E que sorte teres tido quem te contasse histórias, agora memórias vivas.
    Sou meio distraída... só hoje vi que tens este blogue.
    Li o teu perfil e achei graça ao percurso parecido com o do meu marido: seminários, falta de vocação para padre... trabalhar e estudar economia... por aqui não houve divórcio, mas sim a tal mulher que está por trás de um homem!!! Isso é errado: o grande homem tem sempre é "ao lado" uma grande mulher... é mais bonito, não achas?
    Temos de arranjar um encontro de blogueiros... simpáticos e respetivas companhias, para um convívio. Não queres organizar, com a Paula?
    Vou continuar a ler os teus escritos tão interessantes.
    Um abraço.

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  13. É sempre uma alegria conviver com estas histórias que contadas pelo Xico, tem mesmo outro encanto. Até as fotografias são as das "nossas" marias que hoje são muito Marias, graças a Deus! Não convivi muito com estes trabalhos.Mas ouvia na família como os lagares de azeite animavam as noites, enquanto se fazia este precioso manjar em noites bem passadas com as iguarias que faziam.
    Noites que hoje se completam ao som da maquinaria..,
    Bem haja querido amigo, um grande abraço

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