Tem aquele olhar de companheiro matreiro, atento, mas para mim de tanta meiguice.
A vida o ensinou a ter cautelas depois de tantas mazelas sofridas, essas sim mais que doridas pelas serranias em defesa e na procura do que havia perdido, a família..
Foi assim que o encontrei, era véspera de Natal, quase coberto de neve lá do alto de um penhasco, olhando de modo ansioso, latindo de modo aflito para baixo, para o povoado...
Estaria o meu amigo Farrusco em apuros?
O Farrusco, foi durante muitos anos o rei das serranias, um garante dos pastores e rebanhos, não havendo lobo que lhe metesse medos e amigo dos seus amigos, cujos olhos espertos não deixavam que fossem muitos por cautelas e não medos.
Aos poucos, fui fazendo parte da sua vida e ficamos amigos, do mesmo modo que os anos nos foram tolhendo e ele, cada vez menos descendo a serra e eu a subindo ,mas ainda assim lá nos íamos vendo.
Nesse ano calhou o dia de consoada ter tido durante a noite um nevão e a serra estar coberta de manto branco, mas tinha de cumprir como que sempre havia feito, levar um bom naco de carne e osso, ao meu amigo, afinal são para isso que eles servem, apesar do insólito da nossa amizade.
Fui guiado pelo seu uivar (mais que ladrar) pelo tom desesperado e alucinante que bradava aos céus e por tal eu me guiei para ir ao seu encontro por entre fragas geladas e eis que ele arregala estes olhos, como que dizendo, em boa hora vieste. Uma carícia, um lambe no rosto, ofegante e contente.
Mas eis que quase parece soltar um suspiro, se volta para trás e no sítio mais recatado e abrigado, tipo gruta, se enrodilhavam duas minúsculas crias de raposa cujos pais porventura caçados. as haviam deixado ao abandono e o Farrusco as protegeu das aves de rapina.
Feliz Natal, amigo.