segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Também fui pastor...

Agora à distância, estas lembranças cheiram a algo quase inexplicável.
Parece chegar o cheiro da fogueira, o balir dos cordeiros, as mãos encarquinhadas pelo gelo e neve e o dia que teimava em não acabar.
Mas foi tão bom, até o ladrar do cão, dava descanso.
Se hoje pudesse, repetia.


Acabada a escola, fui estudar para Gouveia e apenas se vinha a casa nas férias.
As saudades apertavam e o regresso era sempre um martírio.
Era criança e em vez da pesca no rio Dão ou ribeira de Cabreira,  do roubar os figos lampos e a caroça nas cerejeiras, para não falar nos tralhões, tinha a missa todos os dias, a cama para fazer, o pouco recreio e muito estudo, mais o terço e etc;  próprio de um seminário, que era o caso.
Um dia não quis voltar, chorei baba e ranho, desiludi e desorientei os meus pais que tanto se estavam a sacrificar, mas queria ficar na terra, na liberdade.
Então por castigo, o meu pai disse-me:
- Se não queres estudar e ser alguém na vida, vais ser pastor.
Dito e feito, comprou meia dúzia de ovelhas (cinco ou seis)  e encomendou-mas.
Eu nada percebia daquilo e estava ressabiado, por ter levado a dele avante. Ainda por cima no inverno(ou inferno, tal o gelo e neve por vezes). 
Lembro-me de ir com o meu primo Graciano para as Androas,  com os mini-rebanhos,  fazer a gestão dos cancelos para não comerem de uma vez toda a erva do lameiro;  mas o frio, meu Deus!
A lenha toda molhada, com quatro paus fazíamos a cabana, roubava-mos dois canecos com resina, mais uns paus e a fumarada da lenha molhada, mas lá aguentava-mos.
Ate um dia!
O meu pai via-me casmurro, triste e revoltado e disse que nesse dia iria para Cabreira, onde tínhamos uns terrenos e o frio ali não seria tanto.
Pensei: 
- Hoje acaba a vida de pastor!
Foi comigo ate ao sitio, colocou os cancelos e la fiquei eu a cismar.
Quando percebi que pelo tempo a que fora embora ja devia estar em casa, Zás!
Cancelos abaixo, pego num pau e começo a zurzir nas ovelhas (coitadas...), e a toca-las a toda a brida em direcção a casa.
Parecia que eu e elas tínhamos asas, mas...
De repente, no alto, junto ao sitio do campo de futebol, salta o meu pai a caminho. Tinha-me lido o pensamento e a safadeza.
- Desgraçado, a pensar que me enganavas, eu ja me vinha apercebendo que a tinhas fisgada!
Virou-se o feitiço contra o feiticeiro e o zurzido no costelaço fui eu.
Passado dias vendeu as ovelhas e acabou a minha vida de pastor.
Curioso, fiquei a gostar mais do cheiro do campo.....

terça-feira, 24 de setembro de 2013

COMEÇANDO A ESCOLA...

ex-escola primária de Forninhos


Caros leitores:
Esta minha postagem tinha sido sobre o meu 1.º dia de escola. Sem querer tal post foi apagado, assim como os comentários deixados por vós. Pelo facto peço desculpa. Ainda assim consegui repôr alguns, mas infelizmente perdi um comentário da amiga Ailime e outro da aluap.
Acabada a escola fui estudar para Gouveia e apenas vinha a casa nas férias. Um dia não quis voltar, chorei baba e ranho, desiludi e desorientei os meus pais que tanto se estavam a sacrificar. Como castigo então o meu pai disse-me: - Se não queres estudar e ser alguém na vida, vais ser pastor. 
Peço que não deixem de ler o post que agora surgirá "Também fui pastor...".

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

TEMPO DE OUTONO...



Era assim, na despedida do verão, a ansiada festa das vindimas.
Na época, reservada aos familiares e amigos que se ajudavam mutuamente. Hoje vens à minha vindima, amanhã vou à tua.
Na frente do rancho de pessoas, era ver-me a mim e à Zita, amiga do peito, mais que irmã, a "roubar" os muscateis, sim, esses cachos sagrados que as donas levavam para casa, para pendurar e guardar. Tão bons depois de secos.
À noite, a pisa no lagar, homens de calças arregaçadas e nós catraios a espreitar e ouvir as cantigas brejeiras em jeito de desgarrada.O sonho era um dia ser grandes como eles.


No entretanto das vindimas e depois de apanhar os bagos do chão, trabalho de crianças a quem os rins não davam achaque algum, havia que ir em busca das agudes, essas formigas de asa que tão fundas estavam na terra. Era preciso cavar e cavar, e quando por entre o formigueiro algumas apareciam, era ouro a meter numa caixa de fósforos vazia.
Os tralhões já pinchavam insistentemente, como que apelando ao duelo, venham apanhar-me se puderem.
Tontos e taralhoucos.
Cruzavam o oceano com as andorinhas e faziam diálogo. As andorinhas perguntavam: para onde ides vós ó loucos que ides muitos e vindes poucos; ao que eles retorquiam: e de onde vós ó putas que ides poucas e vindes muitas. Coisas da passarada, mas com nexo. Uns vinham nascer, outros vinham morrer.


Era aqui nesta armadilha que eles vinham cair.
Poderá parecer desumano, mas nós crianças (e porque não também os adulto) aproveitava-mos a época desta caça.
Manhã cedo, já colocávamos as agudes no pincho do custiilo, para depois, sacho na mão, palmilhar caminhos, hortas e lameiros, volta e meia uma verdoada de cajado no costelaço por pisarmos as sementeiras de nabos recém-nascidos ou a erva semeada para no inverno abastecer o ganau, cabras, ovelhas e vacas.
E por entre figueiras, macieiras e oliveiras, lá íamos espreitando se o custilo se tinha portado bem.
Fazíamos história pelo número da caçada e das melancias roubadas por o calor ainda apertar e as uvas rebuscadas fazerem sede. Ainda havia uns figos mais tardios e uma ou outra maçã. Tudo "marchava"!


Esta trilogia de princípio de outono, culminava com a procura dos tortulhos, esse cogumelo mágico que um dia nasce, no outro desaparece.
Nós, crianças, sabíamos os sítios, naquele lameiro debaixo dos marmeleiros, naquele silvado à beira da vinha e, principalmente nas barrocas junto aos castanheiros.
Cada tortulho era um achado e notícia em Forninhos.
Fulana e cicrano, levavam um balde quase cheio. Corria a notícia!
O meu pai adorava este pitéu. Lavados e colocados nas tempres sobre as brasas, apenas com sal. Retirados do lume, eram espremidos para soltar a água  que retinham e com mais umas pedrinhas de sal, voltavam  às tempres. Imaginem uma fatia de broa e azeitonas a acompanhar...
Lembrei-me destas coisas por ser o tempo delas.

Um obridado ao Blog dos Forninhenses pelas fotos amavelmente cedidas.

sábado, 14 de setembro de 2013

CRESCENDO NA HATUREZA

A bola saltava entre gargalhadas infantis e cristalinas. E o pião rolava à velocidade da nossa infância, como convidando à descoberta de outros mistérios e aventuras.
A aldeia era linda e a natureza a tudo convidava, apelando a nela crescer, conhecer e sentir.
Para isso nada melhor que nela dormir.



O Moinho da Carvalheira, faz parte real da minha meninice, qual território sagrado dos Incas, onde a natureza se agitava naquele local recôndito, impregnado de lobos, corujas, raposas e aves de rapina, procurando o alimento para as crias, tal qual íamos esmagar o grão para o pão-nosso de cada dia. Adiante, os Cuvos, que mal produzia um raquítico milho, mas saborosos chicharros. Subindo a encosta para o lado direito, lá estava o imponente Castelo e do outro lado o Castro. No meio da encostava havia uma nascente que não secava, de dia para o homem de noite para os bichos.
Junto ao moinho, as Dornas e a sua gruta de água cristalina, aonde se sentia o mundo na sua perfeição absoluta! Chegava com o meu pai, as vacas arrastando o carro, chiando sobre o peso do grão e o difícil trilho. Teria seis anos de idade, mas a expectativa de passar o dia e a noite neste local mágico, acelerava o coração. Carro descarregado e vacas a pastar na orla da ribeira com o coaxar das rãs e o bailado das libelinhas, era hora de ir roubar umas ameixas ao Sr. Daniel, cá mais abaixo, encher os bolsos e a boina.
A seguir, uma vara de amieiro, um fio de nylon mais um anzol ferrugento com gafanhoto a servir de isco, sempre se apanhavam umas bogas tontas que se viam a olho nu; numa água que era brilhante. As maiorzitas serviam para grelhar e ajudar a bucha da noite, na fogueira acesa no canto esquerdo interior da moinho, enquanto a mó carrasca, esmagava o grão, chiava, esmagava, acompanhada pelo piar do mocho ali ao perto.
Enquanto o meu pai vigiava toda a noite a tarefa, eu aconchegava-me junto a fogueira, enrolado numa manta trazida de casa, e adormecia a sonhar com as mouras encantas ali tão perto.
Manhã cedo o meu pai acorda-me, carro já carregado com as taleigas da farinha, vacas junguidas, prontos para abalar, apenas faltava o caldeiro de lata que pendurou num fogueiro. O chiar do carro sobre as pedras na subida, faziam levantar as perdizes matinais, acordar os melros na ribeira e alvoroçar os tajasnos. Já em cima, um coelhito atarantado, apenas se desviou das vacas, pois eu ia sentado na frente do carro e o meu pai nas traseiras. Se tivesse uns custilos e tempo, aqueles tajasnos e mais que fora, não escapavam.
Mais a frente cruzamo-nos com outro carro de bois, que vinha para a moagem, era o dia que lhe pertencia em sortes (não me recordo quem era). 
Chegados perto da Pardamaia, um solavanco maior, atirou com o caldeiro e as vacas espantara-se.
Arrancam desabridas adiante, desfazendo as curvas por milagre, eu a gritar e o meu pai que entretanto saltara do carro, tambem!
Ao chegar perto do cruzamento do sitio do alambique, e surpreso pelos gritos, apareceu ou o Ti Forra ou penso que o Ti Ze Maria Indio, que sachola em riste as conseguiu parar.
Bem Hajam, mas continuo a adorar aquele lugar.


Foto: cortesia do google imagens.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A IDADE DA INOCÊNCIA...

O pião, rei de brincadeiras
                                               
Entre o nascer e começar a gatinhar, tombo aqui, cabeça rachada acolá, vão valendo as recordações guardadas no bonito, sereno e terno colo de minha mãe.
Este hiato de tempo, é o que vadia entre as estórias e  parcas recordações da meninice, tipo lusco-fusco, até ao despertar para a vida real, 
Quase meia dúzia de anos no crescer e reinação, tão iguais nestas idades, puras, simples, genuínas, mas tão alegres e sadias.
A minha irmã Lurdes, tinha quase quatro anos de vantagem sobre mim e para ela eu seria na altura o "Nenuco" para brincar, mesmo à mão de semear, mas sempre sob o olhar atento de minha avó Maria, com quem sempre dormi até ela morrer e eu ainda criança aprendi, melhor, fui obrigado pela tradição a rezar antes de dormir.
Hoje continuo e dou graças por isso e por ela, para mim uma santa.
Mas o tempo voava mais rápido ainda que as nossas pernas esguias, correndo para o rio Dão,  poça da Eira, sítio predilecto das  tropelias, arrrenegando as lavadeiras nessa senda de miúdos carrapatos, como nos chamavam por nadarmos despidos. Provocávamos na nossa inocência malandra e riamos até chegar a casa, quais heróis  da reconquista, até a mesma se dissipar num par de nalgadas no rabo, dado pelas nossas mães.
No fundo, agora visto à distância, nem era castigo pois parecia saber a candura e porque não, um pouco de cumplicidade.
Coisas de mães...
Nestes entretantos, já nos sentíamos os mestres das brincadeiras, ninguém nos ganhava à xona e se atiravamos o pau tão longe, sabíamos o truque, pouca força e muito jeito.
No correr com o arco, era surrupiar a roda de um bicicleta abandonada, ou não, e dobrar bem o arame para o fazer correr e ainda aproveitar e isso a gente, como se tal já fossemos, aproveitar a câmara de ar rota, para fazer as atiradeiras, sim as que conhecem por fisga, e arrasar o sítio dos Olivais, na busca da glória das nossas caçadas. Miséria, valia a xinchada de tirar pela sucapa uns figos e umas uvas, enfim, só vitórias.
Sério, mesmo sério, com direito a lutas a valer no despeito do perder, era o jogo do pião.Tudo do melhor e mais moderno, mesmo que o dito fosse feito com uma faca e uma podôa..
Daqui irá partir meu próximo testemunho.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

RESURREIÇÃO



A " Maligna"

A memória cognitiva de cada um, difere.
Apega-mo-nos ao que os mais velhos reportam, por vezes complacentes no bem dizer.
A isso recorro para transcrever aqui a continuação da minha história.Após "ressuscitar", a maldita febre ainda estava arreigada, raivosa e despeitada,  procurava porventura saber como eu tinha escapada das suas garras maléficas e  furibundas.
A "safada", apenas tinha feito uma pausa. pois volvidos dois dias, voltou em dobrado. Havia que parar a maligna.
A minha avó materna tinha conhecimentos mais ou menos próxima, de uma senhora influente da circunvizinha aldeia de Dornelas, distante a meia dúzia de quilómetros.
Sabia que o filho dela, dr. Francisco Varela, recém- formado em Coimbra em medicina, usufruia uns dias de descanso na terra natal.
Ao findar do dia, porque voltei a ficar arroxeado,  minha mãe e avó, meteram-se a pé, calcorreando pinhais, contornando ribeiros, para ver se o sr. doutor podia fazer algo pela criancinha.
Lá chegadas, já noite, cansadas mais pela angústia e desespero do que pelo palmilhar do caminho em que se revezavam no colo, bateram na casa senhorial.
- Quem é, perguntou a criada.
- Sou a Maria Lameira de Forninhos e queria falar com a senhora, respondeu minha avó, ao que a criada retorquiu:
- Vou saber se pode atender.
Pausa, ansiedade, no silêncio quase eterno da expectativa, apenas quebrado pela minha tosse intermitente.
Passados segundos, aqui uma eternidade, apareceu a senhora que ao ver minha avó, exclamou surpresa:
- Tu por aqui, Maria, que te traz?
- Minha senhora, trago o meu netinho que esteve para ser enterrado por causa da febre e soube que o sr. douto cá estava e vim ver com sua permissão pedir  se o podia salvar.
- Entra Maria, essa que te acompanha parece ser a tua filha, há tanto tempo que vos não via...
Com os ruídos, o sr. doutor veio indagar o que se passava.
- Olha Francisco, esta senhora é amiga da família há muitos e muitos anos, gente de bem;  o netinho está mal e por isso vieram a pé de Forninhos pedir a tua ajuda.
Antes de saber quem eram, dei instruções à criada para não seres incomodado, pois vieste descansar, mas filho, é a Sra. Maria, nossa amiga!
-  Como se chama o menino? perguntou o médico.
-  Francisco António, respondeu ela.
- Ora bolas mãe, amigos e ele ainda por cima tem o meu nome! Mande entrar para a sala que já vou!
Contam-me que levei uma injecção, pelos vistos milagrosa.

A essa mãe e filho de Dornelas, sentido e profundo obrigado!

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

VIM AO MUNDO...


12 de Agosto de 1956.
Ainda vinha o meu saudoso pai na agrura do calor, do trabalho dos campos, empoeirado e cansado e a pensar que ainda teria de acomodar o ganau, vacas, porcos, galinhas, coelhos, sei la...
A mulher, minha mae, estava comigo na barriga e nao podia ajudar.
Percebia, claro o momento, mas o caracter beirao, talhado em fragas, aparentemente emperdernido,  mas de manteiga, nada deixava transparecer. Sofria no silencio, esperando que ao eu nascer, nao fosse atacado pela febre, a que chamavam coculuche.
Penso ser esse o termo, mais silaba menos silaba.
Isto em pleno Agosto, quente, tao ou mais quente que o calor da lareira, onde fumegava a caldeira de cobre, com panos e paninhos que a parteira, minha avo , Maria Lameira, na sua altivez, semeljhante a sua estatura, ordenava.
Perto do meio dia, apareceu esta coisa, eu.
Feio todos os dias, cada velhota rezava pelos cantos, no dizer, Nosso Senhor o conserve!
Contam.
Fui arrebitando caminho ate ser dado como morto. Era a maldita febre.
A minha familia era muito dada aos padres, talvez por algumas posses que tinham e contribuiam em prol da terra, deles e da igreja.
Foi marcado o meu funeral de anjinho, caixao branco, etc... para o dia seguinte.
Mal pareceria ir a sepultar este fulano, filho e neto de quem era, sem ser baptizado.
Pela calada da noite, falando com o Sr. padre, embrulhado, me levaram na igreja para o baptismo.
No dia seguinte seria o funeral, mas com irmandade e tudo.
Faltava o nome ainda nao escolhido.
Pergunta aqui, pergunta ali e nada!
O Sr. padre Valdemiro, sugeriu, coitadinho, como logo vai para debaixo da terra, porque nao dar o nome dos dois avos, Francisco e Antonio.Homenagem.
Assim fui baptizado, Francisco Antonio Fonseca de Almeida.
E este malandro, ja na altura teve o descaramento de enganar tudo e todos e hoje com amor por aqui andar...