segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Tobias, irmao do Miseravel

O Farrusco ainda faz das dele, o Miseravel mal se arrasta e as filhas, bonitas e caprichosas, migraram  para as bandas de Castendo sendo agora cadelas vedetas da noite. Diz diz ele que o envergonham na sua e em parte, nobre linhagem castelhana. Devaneios vividos em terra de "Nuestros hermanos", penso eu agora que o vou conhecendo e por de mim precisar, se solta de lingua de fora, escorrendo avidamente por uma guloseima a que nao resisto em dar. Adora os coiros do presunto que degusta a compasso do fumar do meu cigarro, calados ambos sob o alpendre.
E assim ficamos perdidos no tempo fresco, ainda, pois a Pascoa este ano vem cedo.
Sinto que quer falar, eu ansioso por o ouvir, pois no seu olhar toldado em final do dia, sentia em mim um estranho frenesim, uma especie de algo ruim que iria ser ladrado, afinal ele nao andava bem, como que se queria despedir do mundo, mas com remorsos de algo. Olhou para mim com aquela languidez de culpa e uma lagrima mal escondida que lhe molhava os bigodes sacudidos e contou...   

Tobias

Correu muita agua sob as pontes e por tal tantos anos que talvez nem recordes o dia em que um senhor parou o carro de bois por debaixo da casa dos teus pais e te perguntou se querias um cachorrito que tinha encontrado. Andava perdido nas matas e eram na altura tantos os pastores e gados, fosse alguem saber de quem seria, alem do mais era um milagre estar vivo, pois os lobos andavam esfomeados Talvez nao te lembres, devias ter pela altura meia duzia de anitos e o cao gostou de ti e era um regalo ver a brincadeira entre ambos. Eu ainda andava por aqui na nossa casa, embora jovem, mais velho que o cachorro, sentia por ele uma coisa especial, porventura por tambem ter sido acolhido. Na semana seguinte, vesperas da pascoa, o forno dos teus pais coziam biscoitos e bolos de azeite, uma azafama. O calor que emanava, aliada aos cheiros, eram do melhor do mundo, sendo que volta e meia atiravam os restos dos petiscos de carne. Boa gente que partilhava o que tinha.

Haviam enfeitado a entrada da casa, o patio com lirios e alecrim pois no dia seguinte, Pascoa, haveria a visita pascal e tudo devia estar a preceito. Trabalho feito e manjares arrecadados, as pessoas foram para casa. Tu, cao  pequenote, estavas encavalitado em cima do muro, assustado pelos barulhos da despedida  e eu junto ao calor do forno aquando fecharam as porteiras. Eu dentro e tu fora ao frio, podia ter ladrado para repararem em ti, mas ainda hoje nao percebo...".
Ainda antes do Miseravel isto me contar, havia a suspeita de serem irmaos, o que se veio a confirmar. Sinto a sua dor, como se fosse minha, pois na manha seguinte quando me levantei, o Tobias havia desaparecido. Gritei ate o tio Esmael me dizer que havia visto dois lobos a arrastar o cachorro, ainda de madrugada. Mais tarde o tio Domingos vindo de ordenhar as ovelhas confirmou os seus restos.
Vida de cao!