No imaginário de criança de uma aldeia do interior, o mais próximo do barulho do mar era o que um ou outro mais viajado narrava, depois em alguma televisão, até que finalmente nas excursões escolares, lá o conheci na Figueira da Foz.
Maior do que jamais pensei e assustador, com aquele barulho de ronco gigante e ao mesmo tempo embalador, mas aquele cheiro... finalmente o cheiro do mar!
Meia dúzia de anos depois e já em Lisboa, apaixonei-me por uma praia da outra banda, a ultima da Costa, a Fonte da Telha, na altura a mais natural e selvagem por aquelas bandas.
Durante dois anos, poucos foram os fins de semana em que o nosso grupo, quatro ou cinco mais chegados e com raízes beirãs e ali era erguida a nossa tenda nas dunas mais abrigadas por debaixo dos arbustos.
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O transpraia |
Era este o pequeno comboio, quase de brincar que nos levava por duas noites até ao fim da linha e quase a passo, ia deixando para trás as outras praias como que dando tempo para um mergulho e ainda o apanhar em andamento.
Assim os via partir nos primeiros dias para a faina, a arte xávega. Iam lançar as redes nos pesqueiros que só eles conheciam na esperança de boa safra e ficava siderado como era possível aquele punhado de gente apesar da forca dos braços e sabedoria ancestral, vencer tanta vaga alterosa.
Vinha-me a memoria os cavadores de enxada da minha aldeia de sol a sol, mas estes enfrentavam tudo e todos, ate o fim do mundo. Caramba!
Aqui, tal como regista esta foto que como as outras tirei da net, mas sobre a da Fonte da Telha, tive o primeiro contacto com a gente do mar, experimentando o modo e a sabedoria de se puxarem as redes para terra, através de voz mandante e ritmada e quase meio corpo dentro de agua, homens e suas mulheres.
Fomos bem acolhidos na ajuda e pouco depois tivemos uma lição de vida.
As redes haviam sido lançadas no modo da arte própria e ao saírem do mar de modo cadenciado, formavam um tipo de funil que aberto na areia, trazia milhares de peixes a saltar das mais variadas espécies e dentre essas os tamanhos, pelo que havia de escolher e assim se foi fazendo noite dentro, sob a pequena luz de candeeiros.
Todos ajoelhas naquela montanha de peixe, seguíamos as instruções das mulheres e dos homens mais idosos, este e para esta caixa, este para ali, este não presta, fica para as gaivotas.
Nos, armados em malandros, pensamos que tínhamos ali para jantar nesse dia e comida para o outro, por isso e porque por detrás das pessoas reinava a escuridão, la íamos surripiando uma boa quantidade de peixes. Melhor, roubando.
Findo o trabalho, os pescadores agradeceram a ajuda e colocaram à nossa disposicão o peixe que nos apetecesse. Eles tinham visto a "marosca" e não era a primeira vez que tal acontecia, mas nós tínhamos trabalhado bem.
Que dizer tal a vergonha, a não ser que foi uma grande lição de vida?!
Recordo apenas que se houvesse fim de semana em que não fossemos, eles ficavam preocupados ao não nos ver a puxar as suas redes.
Nunca ali compramos peixe, éramos quase pescadores, de terra, claro, mas peixe como aquele, assado no grelhador que fizeram para nos oferecer, nunca mais.