domingo, 15 de junho de 2014

Fonte da Telha, terra de pescadores

No imaginário de criança de uma aldeia do interior, o mais próximo do barulho do mar era o que um ou outro mais viajado narrava, depois em alguma televisão, até que finalmente nas excursões escolares, lá o conheci na Figueira da Foz.
Maior do que jamais pensei e assustador, com aquele barulho de ronco gigante e ao mesmo tempo embalador, mas aquele cheiro... finalmente o cheiro do mar! 
Meia dúzia de anos depois e já em Lisboa, apaixonei-me por uma praia da outra banda, a ultima da Costa, a Fonte da Telha, na altura a mais natural e selvagem por aquelas bandas.
Durante dois anos, poucos foram os fins de semana em que o nosso grupo, quatro ou cinco mais chegados e com raízes beirãs e ali era erguida a nossa tenda nas dunas mais abrigadas por debaixo dos arbustos. 

O transpraia
Era este o pequeno comboio, quase de brincar que nos levava por duas noites até ao fim da linha e quase a passo, ia deixando para trás as outras praias como que dando tempo para um mergulho e ainda o apanhar em andamento.


Assim os via partir nos primeiros dias para a faina, a arte xávega. Iam lançar as redes nos pesqueiros que só eles conheciam na esperança de boa safra e ficava siderado como era possível aquele punhado de gente apesar da forca dos braços e sabedoria ancestral, vencer tanta vaga alterosa.
Vinha-me a memoria os cavadores de enxada da minha aldeia de sol a sol, mas estes enfrentavam tudo e todos, ate o fim do mundo. Caramba!


Aqui, tal como regista esta foto que como as outras tirei da net, mas sobre a da Fonte da Telha, tive o primeiro contacto com a gente do mar, experimentando o modo e a sabedoria de se puxarem as redes para terra, através de voz mandante e ritmada e quase meio corpo dentro de agua, homens e suas mulheres.
Fomos bem acolhidos na ajuda e pouco depois tivemos uma lição de vida.


As redes haviam sido lançadas no modo da arte própria e ao saírem do mar de modo cadenciado, formavam um tipo de funil que aberto na areia, trazia milhares de peixes a saltar das mais variadas espécies e dentre essas os tamanhos, pelo que havia de escolher e assim se foi fazendo noite dentro, sob a pequena luz de candeeiros.
Todos ajoelhas naquela montanha de peixe, seguíamos as instruções das mulheres e dos homens mais idosos, este e para esta caixa, este para ali, este não presta, fica para as gaivotas.
Nos, armados em malandros, pensamos que tínhamos ali para jantar nesse dia e comida para o outro, por isso e porque por detrás das pessoas reinava a escuridão, la íamos surripiando uma boa quantidade de peixes. Melhor, roubando.
Findo o trabalho, os pescadores agradeceram a ajuda e colocaram à nossa  disposicão o peixe que nos apetecesse. Eles tinham visto a "marosca" e não era a primeira vez que tal acontecia, mas nós tínhamos trabalhado bem.
Que dizer tal a vergonha, a não ser que foi uma grande lição de vida?!
Recordo apenas que se houvesse fim de semana em que não fossemos, eles ficavam preocupados ao não nos ver a puxar as suas redes.
Nunca ali compramos peixe, éramos quase pescadores, de terra, claro, mas peixe como aquele, assado no grelhador que fizeram para nos oferecer, nunca mais. 

12 comentários:

  1. rsssss...Momentos que ficaram marcados em ti e nos outros, certamente! Linda pesca, danadinha roubacada,rs...E$ o cheiro do mar? Hmmmmmmmm Coisa que me falta, morro de saudades e vivo esperando a hora desse reencontro! abração,chica

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nao eramos um bando de ladroes, pois na nossa aldeia era normal ir buscar o alheio para provar primeiro que os outros, mesmo nao sendo nosso.
      Travessuras!
      Na cidade, ate a gente ver que era diferente, as regras nao encaixavam.
      Um pouco barbaros, mas sem medo!
      Acho, falo por mim, so me senti vencido qundo tive de andar de fato e gravata.
      Mesmo assim, o cheiro dos campos da minha aldeia e o salgado maravilhoso do mar, dadiva divina.
      Abraco, Chica.

      Eliminar
  2. Bonito post, Xico! Apenas faltou referir que na arte xávega, além dos homens e mulheres, as redes rastejam do mar até à areia também com a ajuda dos bois.
    Ainda hoje se pode observar isso ali na zona de Mira e, se não estiver muita gente... podemos comprar umas sardinhas que ainda vêm a saltar.
    O cheiro do mar... para quem nasce longe dele deve ser realmente especial no seu 1º. contacto. Eu vim ao mundo e das primeiras coisas que vi e cheirei foi o mar. Esse cheiro diferente era o da palha do trigo, em casa do meu avós maternos. Saltávamos para cima dos montes de palha seca, afundávamo-nos nela e saíamos... voltávamos a saltar e a sair... vezes sem conta, como igualmente saltávamos para o mar azul e límpido.
    Como gostamos de recordar a nossa infância! Como nos sabe tão bem!...
    Bj

    ResponderEliminar
  3. Nao referi de proposito as redes puxadas pelas juntas de bois.
    Fica para a continuidade deste, pois tenho uma historia na praia de Mira em que este grupo de amigos compraram entre eles um carro antigo e pagaram a carta de conducao ao mais velho.
    Quem nos tirou aquela banheira da areia foram exactamente os bois...
    Beijinho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Amigo Xico, não reprovo nem menosprezo a sua bela reportagem, NÃO! Pelo contrário: acho-a excelente, como todas as que escreve!
      Como vamos muito para Mira e Tocha... vieram-me à cabeça os imponentes bois que puxam as redes... e a partir de hoje vou imaginar o "veículo" a vir à tona carregadinho de sardinha da areia!!!!!!!!!!
      Fico a aguardar, com ansiedade, o post que imagino divertido!
      Espero que não me ache chata!!! Sou boa pessoa, acredite!!!!!!!
      Beijinho

      Eliminar
    2. Por amor de Deus, Teresinha, Chata!!!!
      Uma pessoa especial, a senhora, acredite.
      Uma alegria quando a vejo aparecer aqui e no dos "forninhenses" e se mais nao vou aos seus posts tem apenas a ver com algumas coisas que nao sei comentar.
      A estoria vira para a semana e ainda me rio daqueles devaneios da mocidade e sou por vezes criticado por continuar na mesma e que devia ter juizo..
      Mas sabe tao bem, manter sempre um pouco de crianca.
      Beijo grande, Teresinha amiga!

      Eliminar
  4. Só de ler este texto, veio-me ao nariz o cheiro do mar. Há cheiros da cidade que provavelmente, a mim, me vão acompanhar durante toda a minha vida: o cheiro do mar e o cheiro da castanha assada nas ruas.
    Na nossa terra, não faço ideia se ainda há pessoas que nunca viram o mar, tão longe ele lhes fica, mas uma vez que referes as excursões escolares, lembrei-me que de facto ao tempo, as excursões eram o único meio para a nossa gente conhecer outros lugares de Portugal, sendo que um dos maiores motivos de atracção eram as praias da Figueira da Foz e Mira, onde os excursionistas iam molhar os pés e apanhar conchas do mar para trazer para casa como recordação; ver as traineiras e os pescadores a puxar as redes e ver a sardinha a saltar.
    Provavelmente já pouca gente existe deste tempo, que nunca viu o mar. Sardinha, sim, pois traziam-na até eles, assim como o bacalhau e sal. Até se ouvia muito dizer "no meu tempo uma sardinha dava para três" e pensava eu que era porque não havia dinheiro para comprar sardinhas para todos, só depois que tomei consciência das coisas percebi que tal se devia ao racionamento.
    Esse tempo já lá vai (e ainda bem), mesmo à época por ti vivida, pois se assim não fosse os pescadores sequer podiam colocar à vossa disposição o peixe que apetecesse. Após 1974 muita coisa mudou e hoje sabe bem recordar.
    Beijos e boa semana.

    ResponderEliminar
  5. Curiosas lembrancas, mas para nos ainda um pouco familiares.
    Por relatos e fotos, os homens puxavam a calca ate ao joelho e as mulheres apenas subiam as saias ate meio da perna por pudor.
    Nada de ceroulas nem saiotes, por pudor, mas o trofeu era uma mao cheia de conchas e relatos para o resto de uma vida.
    Quanto aos cheiros estou de acordo e tambem os sinto, parece que quanto mais longe mais fortes eles ficam.
    A sardinha no verao, curiosamente ainda passa em Forninhos a peixeira a apitar ao som de musica pimba, mas sem a caixa na cabeca, mas guiando boa carrinha.
    Foi buscar a Figueira ou Nazare e chega mas fresca que algumas na cidade.
    Traz o calor e tl como a castanha que traz o inverno, recorda a nossa vivencia.
    Obrigado por tao belo comentario.
    Beijinho.

    ResponderEliminar
  6. Mais um pedaço da sua história, Xico, emocionante... Mar, peixes e aventuras marcantes!!
    Como falou, Uma grande lição de vida!...
    Um abraço e boa tarde... Muita paz!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tal como diz, Anete, sentidas na pele sao mais marcantes...
      Abraco grande!

      Eliminar
  7. Pescador deve ser uma profissão bem complicada!! É uma das profissões de risco que existem em Portugal. Ainda bem que tudo na tua vida correu e corre bem,desejo uma vida carregada de paz e saúde!! Beijinhos fofinhos!! mundomusicaldacarolina.blogspot.pt

    ResponderEliminar
  8. Que linda recordação, que abundancia de peixe e de vivências. Desde pequeno tu aprontava hein, hahha. Tu me lembra muito meu pai, ele conta que também fazia artes com nosso queridos pescadores daqui. Emocionante a vivência e esperteza dos pescadores. Eles tem um conhecimento que fico admirada de onde vem.
    Tenha um ótimo dia.

    ResponderEliminar