terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Assim a serra vai morrendo...

Está a ficar moribunda a "minha" serra". 
Que terá ela afinal, sempre tão forte a conheci, nasceu de uma velhice milenar dos avós dos seus penedos, abanou as fraldas dos seus pinheiros, dançando aos cânticos das ceifas do centeio, ralhando com os chiar dos carros de bois madrugadores, tal como os coelhos e perdizes em alvoroço no lusco fusco... 
Se nem os resineiros a incomodam com o bater das latas pela hora da sesta e nem tem de abrigar como mãe as alcateias de lobos...
Afinal, que tens tu "minha" serra de S. Pedro que tanto me deste da tua beleza e em silêncios puros, as palavras eram apenas o cheiro das urgueiras e giestas floridas, cantadas pelo esvoaçar dos milhafres?
Quem sabe não voltarás a ouvir as campainhas dos rebanhos de ovelhas e o grito do pastor "Acudam que é lobo!".
Estás doente, mesmo, não só pela saudade, mas de tristeza profunda por profanarem a tua delicadeza de Senhora.


Depois o céu abriu-se num sorriso
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso
(Miguel Torga)


Estás à venda, a retalho com se não fosses mais valorosa que o ouro. Perderam por ti respeito em proveito e usura pessoal, mas deixa que te diga se isso te anima um pouco...ainda te têm um medo atroz!
As coisas são feitas pela calada, tal como noutro tempos, quando os bandoleiros se abrigavam em ti, invadindo a tua casa, escondidos.
Mas tem calma, já passas-te por tanta coisa...

Fotos: http://onovoblogdosforninhenses.blogspot.pt/

26 comentários:

  1. Xico boa tarde,
    Interessante a coincidência do tema que escreveu e um pequeno texto que publiquei há pouco!
    Permita-me que transcreva como resposta ao seu belíssimo texto:
    «Como podem as nascentes secar
    A seiva do coração da terra
    Se até as pedras parecem ter alma
    Quando respiram os musgos
    E sorriem à luz por entre os muros
    Na germinação das flores»?!
    A serra não morrerá, porque tem nascentes enraizadas nas suas profundezas!
    Beijinhos,
    Ailime

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  2. A vida tem destas coincidências, como que sincronizados.
    Bem haja Ailime por aqui me honrar com tão bela poesia vinda do seu "Canto-Meu".
    Nem imagina a força que suas letras trazem acrescidas ao meu texto sobre sentimentos de uma serra, "a minha" em que mal andava ainda e guiava uma junta de vacas com o meu pai na rabiça do arado. Havia que semear o centeio e nos entretantos fugia lá para cima, falar com os imponentes calhaus de granito.
    Sentava naquele que sempre foi designado como "cadeira do Rei" e olhava o antigo povoado que lhe fica por detrás, o "Castro da Gralheira", ainda hoje nossa propriedade e olhando em direção a Forninhos, nos meus cinco, seis anitos, falava com a serra. Sim, as pedras têm alma, honestidade e uma fidelidade extrema.
    Ouvem no silêncio e guardam para a posteridade.
    Por tal e como diz, acho que não morrerá, tem nscentes enraizadas nas suas profundezas.
    Que a "minha" serra escute o bálsamo das suas palavras e arrepie...
    Beijinho.

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  3. Bem oportuno este post, Xico, pois ainda ontem nos debatia-mos contra a venda/morte da serra, mas perante as tuas belas palavras e comentário da Ailime, de que gostei muito também, vou hoje só falar do que conheci e do que ouvia contar à minha família...avós...pais...tios...
    A serra agora vista em toda a sua nudez, desde que os repetidos incêndios a despiram das suas vestes naturais, mas as árvores que por aqui abundavam eram os pinheiros,que davam resina todos os anos, davam lenha miúda e lenha mais grossa, as cavacas, que aquecia as lareiras e as casas.
    Acho que se devia reflorestar esta serra com o dinheiro da venda dos baldios, ok, "não vou bater mais no ceguinho", afinal esta serra em todas as épocas foi diferente.
    No passado as pessoas viam este sítio como um lugar distante, levantavam-se cedo para ir trabalhar para lá, para estarem lá ao nascer do dia. Ia geralmente toda a família, pois nesse dia era ir e ficar por lá todo o dia a trabalhar.
    Havia os pastores com as suas ovelhas e havia os lobos de que hoje restam apenas as recordações deles...havia resineiros e resineiras...
    Presentemente, o lugar não tem a vida de outrora, mas o percurso é fácil e vai-se até lá sem ser preciso muito esforço porque a cada passada encontramos um motivo paisagístico para parar, observar e pensar que esta serra não pode morrer.
    A poesia de Torga é linda e encaixa perfeitamente nas imagens publicadas, mas Aquilino é que tinha razão:
    "A serra foi dos serranos desde que o mundo é mundo, herdada de pais para filhos. Quem vier para no-la tirar connosco se há-de haver!".

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    1. Deixa que te conte uma coisa:
      Um dia, num ano pouco distante, celebrava-se em Forninhos o "Dia "da Freguesia" (data imposta, mas adiante...).
      Estava presente e dado que estava frente ao palanque onde eram projectadas imagens dos achados arqueológicos que iriam figurar na "Coisa", questionei uma "douta" acerca de tais, quem as tinha, por onde andavam. Disse que eles "investigadores" as tinham. Fiquei indignado e manifestei-me em voz alta.
      De pronto e em tom ameaçador me queriam mandar calar, mas vem isto a propósito de um deles de nome Adriano, sacristão e que comunga em cada missa, de forma intempestiva gritar: "que conheces tu de S. Pedro para falares...". O resto não vem ao caso.
      Claro que não conheço tudo da serra e ninguém conhece, daí o seu encantamento. Claro que não conheço, pois ainda não andava e já ia no carro das vacas, deitado e embrulhado ainda noite para a faina em S. Pedro quando ela tinha vida e para lá acorriam famílias inteiras. Crianças chorando, adultos cantando e idosas chorando encostadas na sombra dos penedos e pinheiros que lhes lembravam os seus entes queridos que outrora se rendiam no esforço pessoal à serra que tanto lhes dava.
      Por lá ajudei os meus a lavrar ainda antes de ser rapaz. Apanhar centeio e apanhar feno que aquando se sentia uma trovoada inesperada se corria serra acima para não o deixar molhar...
      Anos atrás, abriram-se caminhos para ter acesso fácil ao seu coração e era bonito ver o respeito e amor que ela transmitia.
      Hoje, deixaram que tais se degradassem de tal forma que estão quase irreconhecíveis. quem sabe se para desvalorizar os baldios e serem estes "ofertados".
      A serra merece respeito!
      Bem hajas pelas imagens.
      A minha família, como sabes, é a dona do Castro e a mim confiaram a sua gestão e fazendo fé nas palavras de Aquilino Ribeiro: "...Quem vier para no-lo tirar, connosco se há-de haver...".

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  4. Ah, bem-haja pela referência ao blog dos forninhenses. Oxalá os ladrões de ideias passem por aqui e sigam o exemplo, pois não custa nada pedir autorização para publicar algo que não lhes pertence ou então dizer qual é a fonte.

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    1. Eu, que orgulhosamente "nele" trabalho com afinco, tive essa educação...

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  5. O grande segredo de qualquer serra, é que embora possa gostar de ser visitada de vez em quando, não gosta de ter visitantes que decidem permanecer.
    Apossarem-se dela seria uma usurpação, uma profanação, já que toda a serra, é de todos e não é de ninguém.
    Acredito que a serra de São Pedro não se deixará tomar, até porque o granito não se doma facilmente.
    Um texto muito belo, com esse elevado acrescento da qualidade telúrica do Miguel Torga. E as fotos são lindas, retiradas do blog "Os Forninhenses", como convém salientar...;-)
    Essa serra, que parece ser para si uma espécie de jardim secreto, onde está parte de si, não morrerá. Nunca.
    Um post muito bonito. Saído da alma de um homem, e das entranhas da serra.
    xx

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    1. Obrigado Laura mais uma vez pela sua sensibilidade.
      Muitos apontamentos tenho divulgado aqui e ali sobre esta serra, que não é uma serra comum e por tal divaguei sobre as lendas cujas "personagens" esconde e sobre coisas reais.
      Esta serra foi habitada e vivida no mínimo pelas gentes da "mourama".
      Nesta serra porventura passou Viriato e se escondeu Sertório, dada a sua importância à época. Aqui os romanos deixaram vem vincado e gravado o seu domínio.
      Esta serra deu riqueza e sustento ao povo de Forninhos.
      Pastos para os rebanhos, farinha para o pão centeio e palha para os colchões do leito feito de tábuas. Lenha para o forno e lareira, estrume para a "cama" dos animais, ganhos na resina dos pinheiros.
      Uma serra solidária que ia além da contemplação da sua beleza.
      Pertença em parte de particulares e com uma extensão enorme de baldios sob a gestão da Junta de Freguesia.
      Esta é quem está a matar a "minha" serra e quando digo minha, foi por entre as suas entranhas ter aprendido a andar e amá-la. Era o meu encanto acrescido de sermos (e somos) possuidores de campo de cultivo e pinhal, mas também o famoso Castro da Gralheira. Por ali escrevia devaneios em papel e metia nas rachas da penedia e tal como Torga, sonhava no regaço dos penedos.
      Agora está a ser retalhada "à má fé", no proveito da sua beleza e esquecendo a sua história e berço da minha aldeia, quem tiver dinheiro, leva milhares de metros ao preço da "uva mijona"...
      Claro que a serra chora magoada e indignada e gente vai sustendo a revolta, até um dia...
      Beijo.

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    2. Mas o que acho estranho nisso tudo, é que parece que ninguém se preocupa com o que está a acontecer...É pena.
      xx

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  6. Parabéns Chico, bonito texto sobre a Serra de S.Pedro. Os nossos melhores registos são os da infância, mas eu já não sei onde fica o escorregadouro, o berço de pedra, as lojas, o medronheiro que já não deve existir. Isto tudo nas serras vizinhas. Andei por lá, há quatro anos à caça, a única coisa que vi foi o moinho da cravalheira (sem nada). Gostei do penedo que está ao lado. Enorme, com sulcos laterais dignos de registo, julgo que num terreno dos Guerrilhas. Este ano, tenho que disponibilizar um dia inteiro e passa-lo tudo nestas serras. Talvez faça la o almoço. Um abraço.

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    1. Henrique, o escorregadouro ou "sobe-e-desce" se lá ainda está, ninguém o consegue ver. Esse caminho está completamente intransitável e é pena. Ao sítio da pedra do berço fui lá no verão de 2011. Tenho fotografias dessa pedra guardadas numa pasta. É uma pedra que pode bem ser um dos símbolos da nossa serra e da nossa terra.
      Nesse verão de 2011, um dia perguntei à tua mãe se sabia alguma história/lenda relacionada com essa pedra. Respondeu-me que não, apenas que desde sempre chamavam àquela pedra a "pedra do berço", pois tem a forma de berço.
      Vai até lá Henrique, se possível com quem conhece bem a serra. Os teus irmãos, por exemplo, são bons conhecedores da mesma.
      um abraço meu.

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  7. Obrigada, Henrique.
    Como sabes, desde o tempo dos meus avós que ali temos terrenos, nos quais se inclui o Castro, mas em miúdos tínhamos de ir ajudar na lavoura e por tal, para mim, S. Pedro tinha o encanto das sementeiras do centeio e as ceifas, bem como a apanha do feno nos lenteiros.
    Adorava andar em frente das vacas meio desfraldado mas ufano pela liberdade, aquele mundo a mim pertencia e a meu pai, e mais abaixo o tio Elísio e Zé Clementina. Lá longe outros haveria, para os lados dos Valagotes, na mesma arte da sementeira e mesmo aquando nas ceifas, pelos montes ecoava a resposta às provocadoras desgarradas. Mas o que mesmo gostava era a noite em que dormia com o meu pai na mata e ele me falava das moiras encantadas e da forma triste e saudoso em como a mourama foi embora da "sua" terra...
    "Adeus ó nabais dos Cuvos
    Adeus ó vinhas salgadas
    Adeus lugar de S. Pedro
    Onde tinhamos as nossas moradas"

    Tenho uma afinidade com este local como poucos, por ser sentimental e de muita revolta pelo seu aproveitamento desaurido. Desumano, Vergonhoso. Traiçoeiro e hediondo.
    Trago-te uma homenagem que escrevi no blog dos forninhenses, tempos atrás e por falares em locais da serra:

    "Ó linda moira encantada
    Encantada de magia
    Tanto o coração esperou
    De te poder ver neste dia

    De te poder ver neste dia
    O dia de São João
    A pentear teus cabelos
    Sentada na penedia

    Sentada na penedia
    Nas Lojas da Barroqueira
    Ó linda moira encantada
    Quero estar à tua beira

    Quero estar à tua beira
    E pentear teu cabelo
    Enquanto rodas o fuso
    Segurar no teu novelo

    Ó linda moira encantada
    Encantada de magia..."

    Abraço amigo.

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  8. Xico,

    Apesar de não conhecer esse belissimo lugar, fiquei emocionada ao ler o seu relato.
    A serra não pode morrer, e ser tratada dessa forma.
    Lindas imagens, que algumas, reconheci lá de Forninhos.
    Abraços

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  9. Bonito texto, Xico! Fotos belas! HAJA VIDA PARA A AMADA SERRA!
    Abraços e Boa Tarde de 4a Feira...

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    1. E terá vida. Se sobreviveu às agruras milenares, não será agora, mesmo "estocada e ferida" que meia dúzia de "rufias" a reduzem àquilo que os espera.
      A pó!
      Bom final de semana, Anete.

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  10. Obrigado pelo poema. Nestas terras de S. Pedro, o meu avô Ismael, também tinha um terreno onde me lembra de ajudar os meus pais a colher o milho. Também me lembra de armar os custilos. Havia um penedo, o mais alto da redondeza, que não havia lugar igual para apanhar caça. Da parte de baixo havia uns terrenos com uma casota que pertencia ao tio Piçoto. Centeio e milho é o que me lembra de ver por ali. Belos tempos, é bom recordar, danos vida. Um abraço-

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  11. Xico,
    depois deste brilhante texto sobre a serra de S, Pedro, não posso deixar de visitar Forninhos um dia destes!
    Gostamos muito de explorar os mais recônditos lugares do nosso país e, afinal, não estamos assim tão longe dessa bela paisagem, que nos encanta pela sua beleza agreste e pelo seu precioso silêncio. Numa tarde de sol, depois de janeiro, eu e o meu marido iremos passar por essa bela serra e respirar... respirar,,, respirar só!...
    Bj

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    1. E será bem vinda e recebida, minha amiga.
      Podemos combinar e quiçá conjugar estarmos juntos.
      Em princípio estaremos em Forninhos por altura da Páscoa e seria um enorme prazer estarmos convosco.
      E respirrar aquele ar com cheiro a giestas e pinheiros e ...sonhar olhando o céu.
      Beijinhos.

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  12. Xico tens te referido ao castro como "Castro da Gralheira" e eu não gosto nada disso;-)
    O verdadeiro nome deve ser "Castro de S. Pedro" e não "Castro da Gralheira" ou "Serra da Gralheira" ou até "S. Pedro dos Matos" como vejo escrito na obra do Pe. Luís "Penaverde - Sua Vila e Termo".
    O lugar de São Pedro é que e encontra dentro dos limites da freguesia de Forninhos; a Gralheira não!
    No dizer do já falecido Sr. Padre, a Gralheira fica dentro da actual freguesia de Penaverde, no sítio vulgarmente designado por S. Pedro dos Matos devido à lenda popular da "Cadeira do Rei".
    Segundo me disseram, a zona da Gralheira fica perto da localidade de Moreira - Penaverde.
    Mais...a freguesia de Forninhos tem registados na matriz predial diversos prédios rústicos (alguns já os andam a vender, mas pronto...!) e que eu saiba não há nenhum a que chamem "Gralheira".

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  13. Tal não me incomoda e se refiro aquele aglomerado habitacional com essa designação, tal tem a ver com o propositado chamar de forma subtil a atenção aos "doutos" estrategas que contrariamente a ti, nada reparam de verdadeiro, ficando contentes pelos concentrados e Kits...
    Para mim que por ali andei entre muros a trabalhar, sempre ouvi dizer "as casinhas dos mouros". E continuam com dono. De Forninhos!
    E desculpa que te diga: gosto de provocar em reposta a coisas piores, que queres!

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  14. Olá!
    Vim visitar o espaço, e gostei do ambiente bucólico que aqui se respira.
    Maravilhosamente bem escrito, com fotografias que encantam.
    Juntei-me aos seguidores...

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    1. Bem vinda, Cristina.
      Obrigado pelas palavras, venho pouco mas tenho de dispender mais tempo, a prioridade tem sido o blog dos forninhenses, mas tenho de "cuidar" deste filhote...
      Bem haja.

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  15. Xico...gosto de serras e essa deve ser encantadora!
    Conheço bem a Serra da Estrela e razoavelmente a da Lousã com toda a sua magia!
    Uma semana excelente

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    1. Nada melhor que em crianças, a gente se esconder no que nossos pais diziam poder ser a toca de um lobo ou bandido. Mais palavras do pai...
      A mãe era mais para aquele lado das lendas e moiras encantadas.
      Assim fui crescendo por entre a serrania e aprender a amá-la.
      E respeitar os seus ensinamentos...
      Boa semana e obrigado.

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  16. Olá,
    tenho certeza depois dessa tua magnifica intervenção esse belo lugar terá seu reconhecimento. Um dia quero conhecer essa serra. Aqui estamos a cozinhar neste calor. Vamos fazer uma troca nós vamos ai para esse maravilhoso frio e tu vem com tua família para essa escaldante Solidão, peixe tem bastante. hahaha
    Tenha uma ótima semana.

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