quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A TOQUE E HORAS!


Esta imagem ou idêntica, fui assimilando nos dias seguintes. Qual cornetim numa parada militar, havia que saber ler o seu toque e obedecer às suas ordens. Estava tramado!
Depois de "apanhado" e a família já ir de regresso a casa, chamei-lhes malvados e outras coisas que me contenho em dizer. Ia ter de ficar naquele monstro de cimento, sem ouvir o urrar das vacas por debaixo da casa, na loja, sem o cheiro do fumo das chaminés queimando lenha meia verde, muito menos a algazarra da minha tribo, ladeira abaixo junto a minha casa, montados em carrinhos de rolamentos. Tudo me passava pela cabeça nestes momentos. Caramba, que havia feito para ser operado sem anestesia?
As "irmãs", eram carinhosas, sorridentes, como que emanando felicidade e tentava perceber o porquê e nestes momentos de revolta aquilo não fazia sentido. Mais tarde vim a ter-lhes muito respeito, mais que merecido.
Havia que "conhecer os cantos à casa", casa enorme que um prefeito fez questão em fazer de cicerone,começando pela capela moderna, sem os dourados e queridos santos da igreja de Forninhos, até deles já sentia falta, quem diria...mas vinha para ser padre e num último ânimo imaginava-me importante a perdoar pecados àqueles que davam açoites por roubarmos frutas e sabe Deus que mais. Iam levar uma penitência pesada para aprenderem.
No mesmo piso, as salas de aula, sem aquelas carteirinhas de madeira da já minha querida escola primária.
Três ou quatro dezenas de quilómetros de distância e este era outro mundo. No piso seguinte, entre gabinetes e tanta coisa, a sala de estudo, enorme com tudo alinhado e o prefeito mostrou a minha. Até tinha gavetas e lá estavam os livros arrumados, até o de latim a tal língua morta! Socorro, se calhar já não vou poder falar, ao que cheguei...
No piso superior, as camaratas, metes a roupa neste armário, o teu, vês o nome?
Ensinaram a fazer a cama, as dobras dos lençóis e a partir de amanhã, estás por conta, haverá revista.
Era informação demasiada, hoje diria que um treino para prestar serviço no Paquistão, eram fanáticos.
Gostei de uma coisa, a parte ao ar livre, campos de vários jogos, piscinas (sem os peixes do meu rio Dão),
e um pouco mais longe, campos de cultivo e uma vacaria, disseram que o seminário era quase auto-sustentável. Já estava a ficar mais animado quando um som estridente, qual alarme dos bombeiros em caso de incêndio ecoou para mim sinistro, parecendo derreter as primeiras neves da Serra da Estrela, aqui ao lado.
À pergunta do que era, célere veio a resposta; o sinal da vossa vida aqui, andar a toque e horas.
E pensei, será assim o chamamento Divino? Oh, valha-me Deus...

A segui virá a primeira noite e dias seguintes!

20 comentários:

  1. Xico, relato muito bom do tempo que foi marcante, doloroso e "sinistro" pra você... Caramba mesmo, tantas regras e enfados, né?!
    Ri em alguns momentos da narrativa, imaginando as cenas... Você nos conta com ritmo e de uma forma cativante/atrativa...

    Vamos adiante... Sempre Nascendo p Novos Capítulos...

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sinceramente Anete,, já era chegado o tempo de começar a sentir regras
      Custou por não estar preparado para este "parto", difícil.
      Um abraço.

      Eliminar
  2. Imagino tua cabeça e o que nela passava...Tudo tão diferente, tanta coisa pra vir e acontecer .A cabeça girava,sr abração,chica

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A cabeça estava transformada numa "salada de frutas".
      Partes gostava outras não. Estava todo baralhado. Rsss.braços.
      A

      Eliminar
  3. Bela narrativa. Lembrei Manhã Submersa ...
    Beijo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nina, a mim parecia o Mar Morto. Fiquei sem reacção!
      Ou seria o Monte dos Vendavais?
      Beijo.

      Eliminar
  4. Conheci o que era o “toque”, nos tempos em que fui estudar para o colégio do Sr. Pe. Fonseca, em Aguiar da Beira. E posso dizer que este texto, deixa claro o “medo” por que muitas crianças passaram ao sair da escola da aldeia e de ao pé da família, mas com o tempo o “tic-tac” do coração foi tornando-se menos intenso.
    Lindo texto com o "latim a tal língua morta" e o respeito que mais tarde aquele menino veio a ter pelas “irmãs” carinhosas e sorridentes.
    Parabéns e é bom conhecer este teu lado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ainda andei um ano neste colégio, por isso posso imaginar o frio que sentias no inverno. Até Dornelas e Cortiçada, vá que não vá, mas ao chegar a Valverde já branco de neve e gelo, cada vez mais intenso no Barracão e então Aguiar, seria o Pólo Norte??
      Tanta vez que deves ter ficado em Forninhos por as estradas estarem cortadas...
      E a zueira que o vento fazia nos pinhais por detrás do colégio, tão forte que por vezes nem se ouvia o toque da campainha para as aulas.
      Ali não havia "irmâs", mas amigos e amigas, o resto, cada um estava por si.
      Mas nada se esquece e ainda bem.
      Beijos.

      Eliminar
  5. Xico,

    Acho que ouvi o toque também. Nossa, só de imaginar, deu uma pontada na minha cabeça.rs
    Mas, apesar de estar assustado, você não perdeu a doçura, ao falar das irmãs, e da beleza em volta. Com certeza, nos próximos capítulos, teremos muitas novidades.
    Um lindo dia! Abraços.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Com o passar dos dias, aquele azedume em que cada pessoa era a meu ver responsável pela minha "desgraça", foi-se transformando em agradecimento pelo carinho e compreensão dado pelas pessoas que me orientavam, até virar agradecimento.
      Até hoje, perdura.
      Abraço, Lucinha.

      Eliminar
  6. Olá Xico, hoje é com um sorriso que o acompanho nessa fantástica viagem pelo seminário! Mas só aqui entre nós. Fiz esse percurso talvez semelhante há cerca de uma dúzia de anos acompanhando o meu filho mais novo, que se sentiu "chamado", mas entretanto desistiu. O caminho era continuar cá fora o que gostava de fazer. Mas passemos à sua história e desculpe o meu preâmbulo. Apesar da forma quase violenta diria da obrigatoriedade com que entrou para o Seminário e das regras impostas creio que essas recordações e a sua permanência lá o deverão ter marcado para sempre. Vou aguardar o desenrolar. dos acontecimentos:))! Um beijinho e bom fim de semana. Ailime.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Amiga Ailime.
      Ficam as marcas, mas as boas suplantas as más ao ponto de ainda hoje perdurarem e sentir alguma nostalgia.
      Era a primeira e autêntica viragem na minha vida em que a maior ansiedade era a incógnita do dia seguinte.
      Depois, qual mar revolto foi acalmando e veio a bonança, se bem que de vez em quando lá vinha uma "maré viva".
      Beijos.

      Eliminar
  7. Magnífico Relato de estas experiencias que siempre quedarán en el Recuerdo.
    Me ha encantado.
    ¡¡¡Gracias por tu comentario en mi blog...Me ha dada Fuerzas y Energías!!!
    Abraços.

    ResponderEliminar
  8. Seu relato me lembra que parece que estava no exército tamanha ordem e disciplina..aguardo cenas do próximo capítulo.
    Abraços.Sandra

    ResponderEliminar
  9. Olá Xico, fico consternada com tuas expectativas da vida futura. Mas de todas as vivências temos que tirar uma lição positiva e vejo que hoje apesar dos conflitos do momento "seminário" és um grande ser humano. Aguardo os próximo capitulos
    Tenha um grande e feliz dia. .

    ResponderEliminar
  10. Mais um relato que nos prende a atenção do inicio ao fim! Vida de seminarista assemelha-se ao do soldado! Vou aguardar o próximo capítulo! Bjs ,

    ResponderEliminar
  11. Oi Xico,
    Impor regras assim bem rígidas para uma criança que até então tinha uma vida livre ou quase, é um choque, mas vejo que tudo isso te deu uma bagagem muito boa, e você soube transformar tudo em uma grande vivencia que te amadureceu mais cedo pra vida e hoje conta sua história com um tom de certa prosa, isso é muito bom, seria a tal da resiliência?
    Beijos!

    ResponderEliminar
  12. Xico, tricotar é um must, uma terapia infalível. Muito cool ver um homem tricotando!
    beijo

    ResponderEliminar
  13. Vim agradecer o carinho!Deixo abração,chica

    ResponderEliminar
  14. E sorri querido amigo!
    Um horror esse uivo cavernoso que ficou gravado para sempre
    Mas o que eu não sabia era que teria que o ouvir...sempre. "A toque de caixa" era assim a entrada e saída. Por issso hoje, não quero relógios! Só os do meu consentir!
    Á bientôt, mon Cher ami!
    Bisous

    ResponderEliminar