sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Grãos de memórias

Que tal como na foto, vão sendo varridas por uma simples vassoura de giesta apanhada nas imensas matas de pinhal, circundantes da aldeia.
As giestas continuam, mas o grão de centeio ou trigo,morreu nestes campos outrora famosos pela sua abundância e qualidade; vai sobrando algum milho, que já não é moído no "Moinho da Carvalheira". Se o tenho no coração...

 


O Moinho da Carvalheira, faz parte real da minha meninice, qual território sagrado dos Incas, onde a natureza se agitava naquele local recôndito, impregnado de lobos, corujas, raposas e aves de rapina, procurando o alimento para as crias, tal qual íamos esmagar o grão para o pão-nosso de cada dia. Adiante, os Cuvos, que mal produzia um raquítico milho, mas saborosos chicharros. Subindo a encosta para o lado direito, lá estava o imponente Castelo e do outro lado o Castro.No meio da encostava havia uma nascente que não secava, de dia para o homem de noite para os bichos.
Junto ao moinho, as Dornas e a sua gruta de água cristalina, aonde se sentia o mundo na sua perfeição absoluta! Chegava com o meu pai, as vacas arrastando o carro, chiando sobre o peso do grão e o difícil trilho.Teria seis anos de idade, mas a expectativa de passar o dia e a noite neste local mágico, acelerava o coração. Carro descarregado e vacas a pastar na orla da ribeira com o coaxar das rãs e o bailado das libelinhas, era hora de ir roubar umas ameixas ao Sr. Daniel, cá mais abaixo, encher os bolsos e a boina.
A seguir, uma vara de amieiro, um fio de nylon mais um anzol ferrugento com gafanhoto a servir de isco, sempre se apanhavam umas bogas tontas que se viam a olho nu; numa água que era brilhante. As maiorzitas serviam para grelhar e ajudar a bucha da noite, na fogueira acesa no canto esquerdo interior da moinho, enquanto a mó carrasca, esmagava o grão, chiava, esmagava, acompanhada pelo piar do mocho ali ao perto.
Enquanto o meu pai vigiava toda a noite a tarefa, eu aconchegava-me junto a fogueira, enrolado numa manta trazida de casa, e adormecia a sonhar com as mouras encantas ali tão perto.
Manhã cedo o meu pai acorda-me, carro já carregado com as taleigas da farinha, vacas junguidas, prontos para abalar, apenas faltava o caldeiro de lata que pendurou num fogueiro. O chiar do carro sobre as pedras na subida, faziam levantar as perdizes matinais, acordar os melros na ribeira e alvoroçar os tajasnos. Já em cima, um coelhito atarantado, apenas se desviou das vacas, pois eu ia sentado na frente do carro e o meu pai nas traseiras. Se tivesse uns custilos e tempo, aqueles tajasnos e mais que fora, não escapavam.
Mais a frente cruzamo-nos com outro carro de bois, que vinha para a moagem, era o dia que lhe pertencia em sortes (não me recordo quem era).


(que me desculpe o Blog dos Forninhenses por ter ido "roubar" este  comentário que fiz  na etiqueta, tradições em extinção, dois anos atrás). Bem hajam,


15 comentários:

  1. Que lindo de te ler e que pena tudo muda...Sobram poucas coisas de lá! abração,chica

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    1. Certo, Chica. Muda, mas o pouco que sobra que seja partilhado, assim acho...
      Beijinho.

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  2. Que linda e emotiva narração de um tempo de grande magia. Por cá, também me perco em lembranças. Que vida rica em vivencias, sinto pena dos jovens que hoje tem por companhia moderníssimos aparelhos eletrônicos, será que terão essa mesma saudade dos tempo passados como nós?
    Tu viste que estou ficando poética, isso é devido a convivência com queridos amigos de Portugal. hahaha
    Um grande e fraterno abraço na família e desejo de um ótimo final de semana.;

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    1. Tempos que nem sao tao antigos, Anaja, mas hoje roubar tem a Net por apelo, antes era a fruta de vadios jovens que surripiavam na brincadeira, longe de casa, endiabrados de liberdade, molhados toda a tarde roubada aos bancos de escola em mergulhos no rio.
      Estes pequenos apelos na saudade, trazem por arrasto uma certa nostalgia poetica.
      E convenhamos, sabe bem, pelo menos a mim!
      Beijinho.

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  3. Lembranças bonitas de um bom tempo! Vida tranquila e cheia de afazeres tão prazerosos e naturais...
    Gostei de ler Grãos de Memórias, Xico...
    Um abraço

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    1. E tao ricas, amiga Anete...
      A gente vai e quase nem conhece.
      Daqui a alguns anos se calhar nem acreditam que na minha aldeia havia estas coisas.
      Ou talvez, nao, a gente tenta fazer por isso.
      Bem haja.

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  4. Muito bonito, Xico!
    Como dizia o outro, as histórias contadas por quem as viveu, são as mais lindas e
    e nem as mais arranjadas e compostas pelos bons escritores se lhes comparam!
    Fizeste esse comentário no blog dos forninhenses e posteriormente aproveitei-o para um post que intitulei "Moínhos: Património Popular" agradecendo-te por tão belos contributos.
    Outros mais vieram. Muito bem-haja.
    Dizes aqui que as giestas continuam por lá, é verdade, abundam por quase todo o lado e é por isso que os mais novos conhecem, tal como as silvas, mas e os moínhos, esses testemunhos deixados pelo povo simples e anónimo, eregidos à medida das suas necessidades, em sítios isolados, mas mui pitorescos?
    Seria bom se pelo menos o da Carvalheira estivesse bem preservado e os mais novos o pudessem visitar, pois ficavam a saber que foi ali que os seus avós moíam o cereal que haveria de ajudar a sustentar os filhos com os saborosos pães de centeio e de milho saídos, a escaldar, dos fornos comunitários.
    Mas do moínho da Carvalheira, para além dos restos de um rodízio, pouco mais resta do que as paredes e se na tua e minha terra a falta de manutenção continuar, qualquer dia nem as lages/eiras restam, pois algumas já desapareceram, outras estão praticamente esquecidas e sujas.
    1 beijo e bom fs.

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    1. Bonito e incisivo sim, o teu comentario.
      Este moinho tem para mim uma pagina importande da vida, o aprender a respeitar as madrugadas dos nossos avos e pais, o saber sem discordia partilhar a "vez" de cada qual podia moer nos momentos em que lhes tinha saido "em sorte" o utilizar do moinho, nao apenas para mim mas para tantos "idades" que como eu por ali andavam encantados, talvez culpa das moiras...
      O Lugar da Carvalheira tem apenas um adjectivo, Deslumbrante!
      Lamento apenas que a displicencia autarquica, queira mostrar trabalho (elogio meu...) nas partes mais visiveis da freguesia, tal como a casa que era do tio Elisio, adquirida para passar o carro da recolha do lixo para o Bairro da Eira e a grande obra, ficou acanhada, o carro nao passa e os utentes. atravessam a ponte, de lixo na mao. Mais do mesmo, enquanto os encantos se perdem em lamentos e desencantos.
      Beijinho.

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  5. Que narrativa extraordinária, Xico! Chega até a ser comovente. Embora prosa, tem tanta poesia e sentimento dentro. Uma delícia. E a prova que a infância é o grandioso tempo de formação dos indivíduos, e a família, sobretudo os pais são tão importantes na forma como as mensagens são recebidas.
    O seu pai devia ser um grande homem, porque se o não fosse talvez o Xico não guardasse tanta beleza dessas (embora raras) noites no moinho. Sem afecto, toda a beleza do moinho e dos lugares envolventes não teria sido notada dessa forma e permanecido como recordação de encantamento.
    Uma das coisas que mais me recordo no campo é precisamente do coaxar das rãs, dos sons das aves, dentro de uma escuridão e silêncio absolutos.
    Lindo!
    xx

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  6. Oi Xico !
    é incrível como essas coisas que vivemos na nossa infância ficam guardadas no coração e na nossa memória, e quando vamos relembrar, vem cheia de emoção e parece uma linda poesia, adorei a sua narrativa.
    Beijos!

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  7. Boa noite Xico, gratas memorias sempre escritas com a sua narrativa tão pessoal e muito bela que tanto admiro, a fazer lembrar os tais escritores que conhece bem,;)) !
    Para quando um livro?
    Um beijinho,
    Ailime

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  8. Xico,

    Você me fez viajar com tudo que escreveu. Isso me faz entender o motivo de tanto empenho em preservar a história de seu povo.
    Seu comentário lá no Forninhos, e agora fazendo parte de seu post, é cheio de lembranças fortes e lindas. Sinal, qe você foi um menino feliz e de bom coração.
    Um lindo final de semana! Beijos

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  9. Xico, meu querido amigo
    Que saudades eu tinha e que saudades me traz!
    Essa fotografia, essa senhora na eira, varrendo e aproveitando o que ainda ficou, porq o trabalho foi duro para as sementes chegarem aqui para serem debulhadas, malhadas.
    Depois os moínhos, as levadas, o chiar dos carros de bois...Que saudes e que igual nostalgia!
    A pesca...ai a pesca! Vou procurar um post no anjo, antigo, onde eu em "recordações" ou "deambulações" falo da minha pesca também lá para os lados de S. Bento da Porta Aberta!
    Obrigada por estes momentos!
    O meu terno abraçoo!

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  10. Antigamente eu ouvia pessoas dizerem: "...recordar o passado, é viver duas vezes"...
    Não tinha muita noção, da essência desse "ditado popular". De uns bons tempos pra cá, quando passei a ter consciência do significado do que então se dizia, acho que não não só "viver duas vezes"...é, sim, viver as mesmas situações prazerosas quantas vezes nos apraz. Esse seu magnífico relato, é bem uma contundente prova daquele dito.
    Obrigada, xico, por partilhar tanta riqueza de vida!
    Beijo, querido amigo...

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  11. Esos molinos moliendo el maiz, Bellos momentos en ese carro de vacas junto con tu padre, soboreando cada palmo de la Naturaleza. Transcurrir el día entre esos campos y a la noche, soñar en compañía de las ruecas del Molino...Precioso Relato Xico.
    ¡¡¡Gracias Xico por tu comentario en mi blog!!! Es muy gratificante.
    Abraços.

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