sábado, 24 de outubro de 2015

POR ENTRE MISCAROS E CASTANHAS...

Um desmamar rude e violento aquando larguei as fraldas da mae, onze anos, quase uma vida.
Sim, que pelas nossas bandas ela comecava cedo e aos seis tinha o horario dos nossos pais.
E a gente tal como eles apeguilhava o pao com o conduto disponivel,  largando de seguida para os campos.
Cada altura do ano tinha o seu comprimento de horas e favores para mim impostos, pois se ate as vacas tinham descanso...
E o semear e plantar na primavera. E o chafurdar de pes encardidos por entre sulcos das hortas.
Mas havia chegada a hora de partir. Onze anos . Ja tido visto o mar e Fatima, um homem viajado, pois entao.
Andei de comboio pela primeira vez para ir estudar, mas aqueles rugidos que ele soltava acompanhados por nuvens de fumo e faiscas, como que me agoiravam o inferno.

Os amigos tinham ficado do outro lado do mundo, pinhais imensos quais fronteiras a separar, ao ponto de por instantes pensar que esse mundo jamais havia existido e tal voltaria a ver.
Um ano antes andavamos tipo alcateia de lobos a vasculhar as matas de pau afiado e sacola pendurada na procura dos miscaros. Sorte dos que ficaram por terem de ficar ou nao passar de classe.
A esta hora eram livres das suas horas vagas ou roubadas, pois o castigo dos pais pouco durava.
Todos gostavam dos miscaros, mas nao fosse a senhora professora saber... 
Mais tarde esta iria receber muitos saquinhos deles. Tal como agora, enfim. 

Duas semanas depois, vinham as castanhas, as primeiras e os ultimos frutos do ano, sim que os marmelos e a vindima era quase conjunta, mesmo que ainda estivessem meios verdes, pois senao quando viesse a passarada e os amigos do alheio...era uma vez!
Gostava tanto disto! Das primeiras vagas de vento e frio que abanavam os castanheiros e os meus avos e pais nos metiam quase de madrugada umas sacas de serapilheira para irmos apanhar as que haviam caido durante a noite. E era um gosto ver aquele fruto sair num arreganho de felicidade, mais ainda aquando na hora da ceia, estalavam no assador na lareira da casa.
Era enorme a dor da saudade e mais forte o apelo da terra. Nao estava habituado a casas com mais de um piso, muito menos coisas estranhas de rezar quatro vezes ao dia e...
Pouco mais de uma semana, fugi, mas fui apanhado dez quilometros depois.
Tive que me ir habituando durante varios anos, mas nesse Natal ainda comi em casa castanhas novas.

5 comentários:

  1. Tão bom te ler,Xico, ver tuas artes de criança, tuas recordações! lindo! abração,chica

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  2. Parabéns, muitos parabéns pelo texto! Do melhor que tenho lido.
    Eu vim para Lisboa com 19 anos e por isso também me lembro bem de ir aos míscaros e às castanhas, com o mesmo entusiasmo que ia às cerejas!
    A primeira experiência de apanhar míscaros que tive e que me lembro melhor, foi na Escola Primária. Mas na altura dos míscaros, a Professora saía connosco para as matas e lá íamos “felizes e contentes” para a apanha e era sempre um grande entusiasmo esses passeios. Depois as raparigas mais velhas é que os raspavam e lavavam. No final quem ficava com eles era pois…a professora!
    Eram os passeios micológicos da altura.
    Bom domingo!

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  3. Ainda bem que essa fuga, presumo que do seminário, não resultou. Porque caso contrário, não teríamos hoje alguém a escrever tão bem! :-)
    Também me lembro de apanhar míscaros, neste caso as púcaras, e marmelos, e romãs, mas castanhas era fruto que não havia pelas minhas bandas.
    E como deve ter custado ter deixado o ninho e ir estudar para fora. Eu só o fiz aos 18 anos, e custou-me, quanto mais se isso tivesse acontecido tão cedo!
    O seu texto cheira a terra e a colheitas, a separação, e a saudade. Acho que Xico deveria escrever um livro porque tem uma capacidade narrativa impressionante.
    Gostei muito. Eloquente e comovente.
    Um bom resto de domingo.
    xx

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  4. Ah, Xico, recordo os cogumelos quando meu pai os trazia quando ia à caça. E só confiávamos nos trazidos pelo pai porque palavra de pai é palavra de rei. Castanhas? Aos montes. Talvez por isso me passem ao lado...
    Fraterno abraço

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  5. Um belo texto!
    Não vivi essas experiências mas gosto muito de as ler.
    Bjs

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